
Com um ponto de vista extremamente humano e profundo, Louis Lete analisa o Filme Moonlight: Sob a luz do luar em mais essa resenha do site.
Não foi à toa que Moonlight: Sob a Luz do Luar foi aplaudido e consagrado em premiações como o Oscar. A produção aborda temas profundos, como identidade, raça, masculinidade e vulnerabilidade, utilizando de uma sensibilidade linda. Somos imersos em uma experiência arrebatadora que acompanha, de perto, uma vida marcada pela discriminação e pela desigualdade social.
Dividido em três atos, o longa narra a jornada de Chiron, um homem negro e homossexual que cresce em Liberty Square, uma comunidade periférica de Miami.
O primeiro ato, intitulado “Pequeno” —apelido dado a Chiron quando criança —, nos apresenta sua infância silenciosa e solitária. Chiron é alvo de provocações, excluído das brincadeiras e reduzido pela própria fragilidade física. Até dentro de casa, o ambiente é hostil: a mãe, dominada pelo vício, reproduz os mesmos julgamentos cruéis que ele enfrenta nas ruas.
Há uma cena emblemática, em que Chiron pergunta o que significa ser uma “bicha”. É um dos momentos mais comoventes do filme, porque expõe a brutalidade com que o preconceito alcança até mesmo as nossas crianças, antes mesmo que elas compreendam o próprio mundo. E mesmo assim, permanece nelas uma inocência doce que, mesmo dilacerada, ainda resiste.
Essa é uma das ideias mais fortes da narrativa: a violência como herança, transmitida dentro das comunidades marginalizadas. O bullying, a humilhação e o abandono são sintomas de uma mesma doença social, presente em todas as classes e entre todas as pessoas, mas que, nesse caso em especial, é só o reflexo de uma negligência educacional para com esses indivíduos, que mostra como têm errado com eles ao repassar conhecimentos. Tanto com os adultos que não receberam ensino quanto com as crianças.
Em um cenário ideal, as minorias se uniriam para resistir às opressões que as atingem. Mas quando se vive num espaço onde falta o básico, como a segurança, a consciência social se torna um luxo distante. Ou uma arma não tão necessária.
A sobrevivência vem antes da filosofia. E o resultado é paradoxal: os oprimidos às vezes voltam suas feridas uns contra os outros. O oprimido se torna o opressor.

No segundo ato, acompanhamos a adolescência de Chiron, uma fase mais amarga, mais violenta e emocionalmente densa.
Ele perde uma figura importante e enfrenta a derrocada da mãe, agora completamente submersa no vício. O lar se transforma na personificação de instabilidade, onde o amor materno e a agressão dissimulada se confundem, onde sua mãe oscila entre duas personas: quem ela é quando está sob o efeito de drogas e quem é quando está sob o efeito da abstinência.
Já na escola, as agressões se intensificam, tanto físicas quanto psicológicas. E no meio desse caos, Chiron começa a compreender sua sexualidade, um despertar doloroso. É talvez o ato mais visceral do filme, o ápice. Ele traduz o silêncio do protagonista em olhares, pausas e gestos, é impossível não se ver refletido ali, de alguma forma.
O desfecho desse ato foi, para mim, um tanto quanto desesperançoso. De fato, injusto. A violência atinge seu ponto máximo e muda completamente o curso da vida de Chiron.

E seguindo para o terceiro e último ato, “Black”, conhecemos Chiron como adulto.
Transformado tanto fisicamente quanto psicologicamente, vemos que ele se reconstrói apesar das tragédias que permearam sua vida. Embora que por meios ilegais, mas por uma via compreensível, considerando as circunstâncias em que cresceu.
A obra não romantiza o crime, mas o contextualiza. Moonlight não quer justificar, mas sim fazer entender que nem todos têm o privilégio da escolha.
Há quem precise sobreviver antes de poder viver, e essa diferença é o que separa a dignidade da exclusão.
Não se trata de defender a criminalidade, mas de olhar para o que a produz. Enquanto comunidades inteiras precisarem recorrer ao “dinheiro sujo” para ter o mínimo, enquanto o pobre for empurrado a vender o próprio veneno para não morrer de fome, o problema não está neles, está nas estruturas que os abandonam.
Por isso, eu nunca culparia Chiron. Antes dele, há uma fila interminável de culpados: o Estado, a negligência, o racismo, o preconceito, e todos os que escolheram olhar para todos os lados, menos para ele. E qualquer pessoa como ele.
Esse filme é, acima de tudo, um retrato sobre o que é ser humano quando insistem em te desumanizar. Porque a humanidade, mesmo quando tentam nos arranca-lá, insiste em permanecer em nós.
Ela é uma parte irremovível de nós.

Louis M. Leite nasceu na ilha São Francisco do Sul em fevereiro de 2007. Sua paixão pela literatura se iniciou ainda na infância, evoluindo para a escrita posteriormente, aos doze.
Familiarizado com o cinema e o teatro, pode ser encontrado na cidade de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, em eventos culturais e participando de projetos. Sempre está atrás de uma oficina de roteiro ou fotografia de cinema, não gosta de perder nenhuma oportunidade.



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