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Em 15 de novembro de 1889 o Brasil deixava de ser uma monarquia, tem-se a Proclamação da República. Mas ficaria desde já uma pergunta: República de quem?

Muitas dores de cotovelo, muitos monarquistas chorosos, muitos cupinchas do Imperador desgostosos. No dia 15 de novembro um grupo civil-militar anunciava oficialmente a mudança do sistema brasileiro, que deixava de ser Império, com Dom Pedro II no trono, e passava a ser República. Isso era resultado de uma ampla crise que o regime monárquico vinha enfrentando nas últimas décadas, por fatores como: o resultado da Guerra do Paraguai e o fortalecimento do Exércio; intrigas com a Igreja Católica; a forma como foi abolida a escravidão; e ainda a evolução do movimento republicano (simbolizado especialmente pelo Partido Repulicano Paulista).

Se tem uma coisa que aprendi na faculdade é que nas nossas comemorações damos muito valor ao 7 de setembro e  Independência de 1822, que para muitos não libertou o país de dominações, apenas trocou Portugal pela Inglaterra. Mas, em contrapartida, damos muito pouca atenção à Proclamação da República. Para muitos 15 de novembro é feriado nacional e não muito mais que uma oportunidade para o churrasco ou para uma tarde de sol na praia.

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O fato é que muitos movimentos políticos do fim do século XIX não mudaram a situação e nem a mentalidade enraizada da maioria dos brasileiros da época. Muitos escravos, em 1888, apenas deixaram de ter estatuto de escravo, mas não foram inseridos na prática na sociedade majoritariamente racista da época. Em 1889, um ano após a Abolição, quando Deodoro e companhia depõe Dom Pedro II e anuncia a chegada da República no Brasil, as coisas não mudaram a composição social do país: uma classe favorecida continuaria a ter o poder, enquanto a uma minoria majoritária continuariam sendo controlada, entre presentes, cabrestos e capangas. 

Basta lembrar o que temos no país até 1930, pelo menos, com a República do Café com Leite. O voto era mínimo (no máximo 3% da população), como também era irrelevante diante da fraude e do controle social exercido pelos Coronéis e seus jagunços. Mesmo quem podia votar, muitas vezes não fazia, porque sabia que as eleições já tinham cartas marcadas. Não existia democracia, pelo menos não como imaginamos atualmente. O liberalismo era o dos poderosos e das classes dominantes, com controle e sem espaço para uma concorrência ampla ou qualquer tipo de meritocracia.

Mas, mesmo nas primeiras décadas da República, como me faz lembrar O cortiço, de Aluísio de Azevedo, muita gente nem entendia o que os “novos tempos” republicanos significavam. Muita gente foi violentamente silenciada por querer fazer diferente do “combinado” nas décadas seguintes, como mostram Canudos e o Contestado, desde a Bahia até o sul do Brasil, para não citar tantas outras revoltas reprimidas. Em geral, “o povo assistiu bestializado” ao que acontecia, como nos fala José Murilo de Carvalho no livro Os Bestializados que resenhamos e que você pode acessar clicando aqui.

Mas, as permanências não ficaram restritas aos momentos próximos à Proclamação da República. O fato também é que muita coisa no Brasil parece demorar mais do que o normal para mudar. Até nos dias atuais, apesar de avanços perceptíveis (e também retrocessos), muita coisa ainda continua praticamente inalterada, como se nada tivesse acontecido. Ainda vemos coronéis, capangas, votos “abertos” (só pagar bem ou premiar alguém), arbitrariedades, etc, etc, etc.

Vemos violações de direitos, negação de necessidades básicas (mesmo com a Constituição Cidadã de 1988). Exercer cidadania no Brasil é algo difícil para uma grande parte dos brasileiros até hoje. Sem falar nos vários momentos em que a democracia foi agredida ou, quando não, ameaça por repetidos golpes ou tentativas deles.

Em resumo, muda-se o sistema político em 1889, com a Proclamação da República, o que não quer dizer mudança profunda na estrutura social que separa dominadores e dominados. As elites trocam de roupa, ou disfarçam suas preferência, mas ficam sempre receosas de perder seus privilégios, mostrando sua face mais reacionária sempre que tem oportunidade.

Livro O Brasil Republicano

* No topo: Deodoro da Fonseca. Imagem do acervo da Biblioteca Nacional

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  1. Avatar de Wladimir Gomide

    Mais uma vez nosso Amigo e Mestre José Fernandes acerta na mosca: "República de Quem"?
    E conclui: “Em resumo, muda-se o sistema político, o que não quer dizer mudança na estrutura social que separa dominadores e dominados”.
    Vale ressaltar a atualidade do grande escritor italiano, Giuseppe Tomaso di Lampedusa {1896-1957}. Em seu livro “Il Gattopardo – O Leopardo”, sentencia:
    “Tutto deve cambiare affinchè tutto rimanga come prima”.
    “Algo deve mudar para que tudo continue como está”.

  2. Avatar de José A. Fernandes

    Obrigado mais uma vez pelo comentário Wladimir… seguimos na busca por "dias melhores" e quem sabe uma "república para todos" – segue a utopia.

3 respostas para “A Proclamação da República! República de quem?”