
Nessa resenha Louis Leite fala de O Telefone Preto (01), um terror onde trauma, tensão e sobrevivência caminham lado a lado.
Baseado em um dos contos da coletânea O Telefone Preto e Outras Histórias, de Joe Hill, este longa reúne elementos narrativos como trauma familiar e medo psicológico para construir o cenário denso em que a trama se desenvolve. Foi uma aposta interessante, por nos inserir em um terror que, apesar de também flertar com o sobrenatural, trabalha muito mais a expectativa e a tensão do espectador.
Com o apoio de artifícios visuais, como o figurino dos personagens, somos transportados para Denver (Colorado), na década de 1970. Mais especificamente, para seus subúrbios, onde uma série de desaparecimentos inexplicáveis assombra os moradores e gradualmente enclausura os jovens, alvos desses sequestros.

Contudo, essa tormenta parece ficar em segundo plano diante dos demais problemas que a família Blake enfrenta. Após o suposto suicídio da mãe e o alcoolismo desenfreado do pai, Finney sofre intimidações na escola, enquanto Gwen busca sentido para as visões que tem através dos sonhos. À medida que somos introduzidos à rotina turbulenta dos irmãos, também conhecemos outros personagens, como Bruce Yamada —o notável jogador de beisebol do time rival ao de Finney— e Robin Arellano, amigo do garoto que o salva de seus valentões.
Com o sequestro de Bruce, Gwen recebe a confirmação de que seus sonhos são premonitórios — assim como os que sua mãe alegava ter em vida — e compartilha detalhes com as colegas e com a polícia. Isso lhe rende o julgamento severo do pai, que a agride tanto física quanto moralmente.
Esse momento, embora maçante para alguns espectadores, é importante. Lido nas entrelinhas, revela como a morte da mãe deixou no pai um trauma profundo, o que explica, ainda que não justifique, sua dependência alcoólica e a hostilidade com que trata os filhos. Ele revela temer que sua filha tenha o mesmo destino que a mãe, que morreu em circunstância da sua “doença”.

O telefone preto e outras histórias – Obra que inspirou o filme, edição com sobrecapa especial
A impotência de Finney ao testemunhar o abuso contra a irmã também é significativa e, após isso, testemunhamos também o sequestro de Robin, o que intensifica esses momentos de tensão.
E em um determinado momento, voltando para casa após as aulas, o garoto é abordado por um desconhecido ao lado de uma van preta estacionada próxima à calçada. Bastam poucas palavras para que Finney seja arrebatado para dentro do veículo e engolido pela escuridão.
Quando desperta, está em um porão onde há apenas um colchão, um vaso sanitário e, preso à parede, um telefone preto. O sequestrador aparece e afirma que irá soltá-lo futuramente, contanto que se comporte.
Ao ficar sozinho, Finney ouve o telefone tocar. Quando pergunta ao sequestrador sobre isso, ele garante que o aparelho não funciona há anos, levando o garoto a acreditar que está delirando. Porém, o telefone volta a tocar insistentemente sempre que ele está só, até que é obrigado a atendê-lo. Através das ligações, descobre que as vítimas anteriores do assassino podem se comunicar com ele. E todas tentam ajudá-lo a escapar.

Enquanto isso, do lado de fora, Gwen decide recorrer aos seus sonhos — apesar da insistência do pai para que os ignore, pois seriam “só sonhos”. É tudo o que lhe resta e o único fio de esperança que pode seguir. A abordagem da cumplicidade como ferramenta é excepcional nesse contexto. Há um esforço combinado dos irmãos pela liberdade de Finney, embora separados, e há um cuidado coletivo por parte das vítimas para impedir que haja outra.
Em paralelo, vemos a transição de Finney da infância para a adolescência: a perda da inocência e o nascimento de algo mais firme. Ao longo das ligações, ele recebe diversas instruções de como fugir; todas fracassam, até que resta apenas confrontar o monstro.
Encerrar o assassino ali simboliza essa transição: deixar de ser a criança que fugia constantemente dos vilões e se tornar alguém que não pode mais tolerar a violência; alguém que precisa revidar. Ele revida.

E isso salva a sua vida.
É um ótimo terror, apesar das inúmeras camadas sobre o desenvolvimento dos personagens. O sobrenatural permanece ali, assim como o horror da crueldade daquele assassino.
O sequestrador, interpretado por Ethan Hawke, é um vilão formidável — muito bem escrito e impecavelmente encenado. Ganha vida na tela e se torna uma referência de antagonista: intimida e humilha suas vítimas antes de matá-las, manipulando-as até fazê-las acreditar que têm culpa pelo que ele próprio faz. Ele é grotesco e, nesse contexto, isso funciona de maneira exemplar.

Livro Nosferatu

Louis M. Leite nasceu na ilha São Francisco do Sul em fevereiro de 2007. Sua paixão pela literatura se iniciou ainda na infância, evoluindo para a escrita posteriormente, aos doze.
Familiarizado com o cinema e o teatro, pode ser encontrado na cidade de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, em eventos culturais e participando de projetos. Sempre está atrás de uma oficina de roteiro ou fotografia de cinema, não gosta de perder nenhuma oportunidade.


Deixe um comentário