
De uma minoria perseguida, o Cristianismo se tornou religião oficial do Império Romano. Vejamos como ocorreu essa virada incrível!
A ascensão do cristianismo dentro do Império Romano não foi um processo simples, linear ou pacífico. Pelo contrário: durante séculos, cristãos caminharam entre sombras, suspeitas e violências. Mas por que o cristianismo primitivo, uma fé que se organizava em comunidades, recusava o luxo e pregava a humildade despertou tamanha hostilidade de um dos maiores impérios da Antiguidade? E depois disso, como se tornaria a religião oficial, cheia de poder e organização tão complexa?
A resposta está no choque profundo entre valores cristãos e estruturas fundamentais do mundo romano dos primeiros tempos. Neste texto, com base em alguns autores que falam sobre o assunto, eu gostaria de explorar com vocês como se deu a perseguição aos cristãos e depois como se tornou a religião oficial do Império Romano.

Religião romana x cristianismo
Os romanos tinham uma religião fortemente ligada à política. Dentro desse contexto, uma das bases da vida política romana era o culto ao imperador, não apenas como líder político, mas como figura semidivina, símbolo da unidade estatal. Esse culto político se deselvolveu, sobretudo, com o início do período imperial, com Otávio Augusto (27 a.C. a 14 d.C.). Era uma regra, que já no início do cristianismo, se tornou irreconciliável com as novas comunidades que iam se formando, onde a idolatria era abominável.
Isso significava que cristãos, ao se recusarem a queimar incenso ou fazer juramentos rituais ao imperador, eram vistos não apenas como “diferentes”, mas como subversivos, suspeitos de deslealdade civil. Em um império que valorizava acima de tudo a estabilidade e a unidade política, essa recusa equivalia a um gesto potencialmente revolucionário, desestruturante.
Outro ponto de atrito diz respeito à inversão de valores morais e éticos. O império celebrava riqueza, virilidade militar, honra pública e participação cívica. Já os cristãos – pelo menos os cristãos dos primeiros tempos -, influenciados pelos evangélhos e pela vida comunitária pregada por Jesus Cristo, acreditavam na modéstia, no desapego e na igualdade espiritual.
Segundo o historiador Fritz Heichelheim, os cristãos:
“Defendiam virtudes, como a pobreza, a castidade e o despreso do corpo, opostas à tradição clássica”
Por isso tudo, na ótica romana, as virtudes cristãs pareciam anômalas (fora da normalidade) e até perigosas. Como era possível que recusassem a grandiosidade pública e valorizassem um estilo de vida que colocava o indivíduo fora da lógica tradicional do Estado?
Como se não bastasse, um terceiro elemento central no atrito com os cristãos foi a postura de muitos deles diante do exército — o coração do sistema romano. O exército romano não era apenas força bélica: era também uma instituição civilizadora, responsável por expansão, segurança e, em muitos casos, mobilidade social. Negar-se a servir era negar a própria ordem do império. O serviço militar para os primeiros cristãos “era considerado, por razão de consciência, como proibido; assim afirmava Tertuliano e o mártir Maximiliano” (Fritz Heichelheim).
Essa recusa era vista como traição. Em uma sociedade que dependia do exército para manter fronteiras e rotas comerciais, assim como fundamental para alimentar a sociedade de escravos. Os cristãos tornavam-se assim alvos de hostilidade oficial e popular.
Além dos conflitos políticos e morais, havia também o fator psicológico. O cristianismo era uma religião nova, então misteriosa, que se reunia em casas e celebrava ritos desconhecidos — terreno fértil para boatos. Em épocas de crise — epidemias, crises econômicas ou guerras — era comum que minorias religiosas fossem responsabilizadas. Perturbações sociais e inflação já abalavam a estabilidade sob vários imperadores, incluindo Nero, Domiciano e Marco Aurélio. Em momentos assim, buscar um “culpado” era conveniente. Exemplo disso, foi quando os cristãos foram oficialmente culpados pelo incêndio de Roma em 64 d.C. por ordem de Nero, que viria ele próprio a ser apontado depois como o incendiário.

De perseguidos à religião oficial: uma virada
Ainda que perseguições tenham ocorrido em diferentes intensidades, elas nunca foram uniformes nem constantes. O Império Romano era vasto, diverso e sujeito às prioridades de cada governo local. Seja como for, a perseguição ocorreu nos primeiros tempos, se tornando sádica em alguns momentos.
Vários foram os mártires cristãos condenados a morte diretamente ou jogados nos coliseus, onde eram devorados por feras ou sacrificados como diversão ao público sedento. Sobre isso, temos o relato de Eusébio, historiador cristão contemporâneo, em seu livro História Eclesiástica. Sobre um dos casos, ele diz o seguinte:
“Uns foram decapitados; outros, lançados às feras, conforme as ordens recebidas. A multidão se aglomerava para assistir ao espetáculo, como se fosse uma diversão festiva.”

Mas, de reptente, o que era perseguição tomou um rumo surpreendente: a fé antes reprimida viria a se tornar, no século IV, religião favorecida do Estado, especialmente após Constantino, e posteriormente se tornaria a religião oficial de Roma. A partir desse último momento, os que seguissem religiões antigas e politeístas, seriam eles perseguidos.
Foi uma transformação profunda, que seria apontada por alguns historiadores como Edward Gibbon (Declínio e queda do império romano) como motivo da crise e queda do Império Romano. Isso porque, como dissemos, o cristianismo seria um empecilho à expansão territorial e à escravidão imperante. Seja como for, de uma fé clandestina e perseguida, o cristianismo passou a ter direito a bens, propriedades e estruturas legais, entrando no próprio coração da administração imperial.
Por outro lado, o próprio cristianismo mudaria também. De uma religião minoritária, focada numa estrutura celular, com pequenas comunidades, passaria a ser organizada cada vez mais nos moldes do Império. Adotaria regras, funções e formas do Império Romano. Depois do Concílio de Niceia (325 d.C.), onde disputavam visões diferentes, se tornaria definitivamente Igreja Católica Apostólica Romana.
Enfim, com o tempo, o que começou como um conflito se transformou em um processo profundo de transformação cultural. Quando o cristianismo finalmente se tornou dominante, ele não apenas encontrou espaço dentro do Império — ele redefiniu o próprio sentido da romanidade. Da mesma forma que a romanidade redefiniu o cristianismo.

Livro História Eclesiástica



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