
Dois mundos se encontraram no antigo Sul de Mato Grosso, o da erva-mate e o das Frentes Pioneiras. Nesse texto falaremos sobre o colono ervateiro na Colônia Agrícola Nacional de Dourados!
A história da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) não pode ser compreendida sem olhar para não poucos colonos que, ao chegar ao sul de Mato Grosso nas décadas de 1940 e 1950, encontraram em seus terrenos a erva-mate. Em meio a outras tentativas de produção agrícola, com ou sem sucesso, encontraram no mate não apenas um produto comercial, mas um caminho de sobrevivência.
Grande parte desses migrantes — muitos deles nordestinos —, quando chegaram na região nem sequer conhecia a erva-mate ou seus usos. Como relata o colono Astúrio, “não sabia nem o que que era mate… não sabia o hábito do tereré… não sabia o chimarrão” . No entanto, a situação dos primeiros tempos de colonização era difícil. Diante da falta de apoio estatal, da distância dos mercados para vender suas outras produções e das dificuldades de cultivo, logo perceberam que a exploração da erva-mate podia garantir renda imediata: “aí eles começaram vê que se eles explorasse o mate, eles tinha comércio garantido desse mate” .

Assim surgia a figura do colono ervateiro, aquele que não apenas encontrava erveiras em seu lote, mas decidia fazer uso dela de alguma forma. Muitos desses colonos, como Moacir Fagundes e Urbano Braulino, decidiram inclusive aprender as técnicas de corte, sapeco, secagem e cancheamento, incorporando um saber tradicional que circulava na região desde o século XIX. Esse aprendizado só foi possível graças ao intercâmbio direto com os trabalhadores paraguaios e indígenas, que possuíam longa experiência na lida do mate e transmitiram aos novos colonos seu “saber-fazer” . Muitos desses paraguaios e indígenas haviam trabalhado ou continuavam trabalhando para a Companhia Mate Laranjeira e permaneceram na região, tornando-se fundamentais para o treino dos recém-chegados.
Dos colonos que se dedicaram à produção, alguns nomes se destacam, como o já citado Moacir de Souza Fagundes, que começou explorando livremente a erva-mate antes da demarcação dos lotes, vendendo para paraguaios ou comerciantes locais, e que décadas depois viria a se tornar o primeiro prefeito do pequeno município de Jateí, antes parte da Colônia Agrícola (CAND). Casos como o dele mostram que a erva-mate não era apenas um complemento de renda: para diversos colonos, ela representou uma atividade econômica viável na nova fronteira agrícola.
Os dados do recenseamento que fizemos em épocas de Mestrado reforçam essa importância. Mesmo sendo um levantamento parcial devido a parte preservada das fichas de colonos da CAND, 30% dos lotes recenseados apresentavam presença de erva-mate . Em muitos casos, colonos mantiveram centenas ou milhares de pés, demonstrando que a exploração tinha valor econômico real. A venda podia ser feita diretamente aos compradores da região — cooperativas, comerciantes ou pequenos intermediários — e havia mercado, especialmente para exportação à Argentina até 1965. Como relatado por Astúrio Dauzacker, “faltava erva, mas não quem comprasse!” .

A figura do colono ervateiro, portanto, revela muito sobre as dinâmicas sociais e econômicas da CAND. Esses trabalhadores atuaram como ponte entre o antigo “mundo ervateiro” da Companhia Mate Laranjeira e o novo projeto de colonização estatal iniciado por Getúlio Vargas. Ao aprenderem, adaptarem-se e incorporarem técnicas tradicionais, esses colonos ervateiros garantiram não apenas a própria sobrevivência, mas também contribuíram para manter viva a economia da erva-mate no sul de Mato Grosso durante a transição para novas formas de ocupação da terra e até que vingassem novas formas de produção. Em muitos casos, como eu pude concluir em minha dissertação de 2012, a erva-mate foi um apoio para a manutenção de diversos colonos na região, que sem ela teriam abandonado seus lotes; além disso, a erva-mate permitiu que alguns colonos obtivessem alguma prosperidade.
Esses colonos ervateiros fizeram parte de cooperativas, fizeram gerar uma economia monetária, ocuparam espaços considerados “vazios” ou que precisavam ser “nacionalizados”. Se inseriram em um mundo novo, através da migração, fizeram parte das frentes pioneiras e da ocupação de uma fronteira marcada pela economia extrativa. São esses colonos ervateiros parte importante para compreender como a erva-mate ajudou a moldar não apenas a paisagem econômica, mas também a identidade social da região que se tornaria o atual Mato Grosso do Sul.

Livro História de Mato Grosso: da Ancestralidade aos Dias Atuais



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