
Entre aplausos e críticas, a série Tremembé reacende o debate sobre violência e moral. O incômodo é da arte — ou do espelho que ela nos devolve?
Está rolando na plataforma Prime Video a série Tremembé, que retrata as trajetórias de condenados envolvidos em casos famosos, com crimes que possuem caráter hediondo. A série está fazendo certo sucesso e gerando vários debates, em especial no que tange a uma possível romantização dos casos expostos.
O que nos leva a pensar algumas questões: a arte possui um dever de notificador das condutas sociais? A mesma sociedade que critica uma possível romantização é a mesma que tem regojizo com operações policiais como as ocorridas em outubro de 2025 no Rio de Janeiro?

A arte na modernidade, pós-modernidade ou qualquer outro conceito que tenta localizar a sociedade contemporânea. Na modernidade, o Estado de direito é balizador das relações entre livres e iguais, quando algo na ordem dos direitos, em especial do direito à vida é alterado, o mesmo deverá entrar em cena e resolver o problema. O Estado deve investigar os acusados, que terão direito a ampla defesa e serão condenados ou absolvidos conforme o veredito dos magistrados. Desta forma, não cabe a arte notificar a sociedade de como ela encara os casos criminais, isso cabe ao Estado e à justiça.
Esta última com outras organizações da sociedade civil como movimentos sociais, órgãos de classe e partidos políticos devem trabalhar ativamente para conscientizar as pessoas do direito à vida, a infância, a inviolabilidade do corpo e outros tantos casos que fizeram parte dos crimes dos protagonistas da série.
Aos que estão injuriados pela repercussão da série e a possível romantização dos criminosos e seus crimes, cabe pensar a centralidade da violência na sociedade brasileira. Desde os processos coloniais, a escravidão, o extermínio de povos originários e o ataque para com os movimentos sociais, o Estado brasileiro é profundamente marcado pela violência. Tal violência está evidenciada pelas divisões sociais presentes desde as várias formas de existência do Estado brasileiro.
O julgamento moral sobre cada acontecimento se coloca nas percepções do público a depender das hegemonias ideológicas de cada época e a própria construção das memórias. Logo, quem teme a romantização da violência, pode aplaudir uma operação violenta por meio deste próprio Estado e a total omissão dos princípios de um Estado de direito.

Paulo Leminski em seu Ensaios e Anseios Crípticos de 1986, faz indagações sobre o papel da arte na modernidade. A arte e seu compromisso religioso ou político na Idade Média e no período moderno. A arte e sua total inutilidade em um sistema em que as relações sociais são mediadas pela lógica da mercadoria. A arte e o compromisso moral tanto na Rússia Czarista, quanto no Regime Soviético. Assim como a extensa produção artística da poesia marginal, da qual foi protagonista na década de 1970.
As críticas a série Tremembé tem um aspecto moralizador, que tenta culpar a arte por problemáticas sociais relativas a violência que é produto social e não produto da arte, com axiomas religiosos, que colocam a ideia de bem e mal, como pontos para analisar as relações sociais. Ao mesmo tempo, quando o aspecto moral centraliza o debate público, os agentes críticos não podem escapar da hipocrisia, resultado imediato da moralização. No fim das contas, a série é mais uma expressão do uso da arte como mercadoria, que logo será esquecida, na efêmera sociedade contemporânea, dos vários prefixos que o leitor possa a intitular.
Veja o trailer da Série Tremembé


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