
Os civis na Segunda Guerra Mundial tiveram que enfrentar o horror dos massacres, dos abusos e da fome. Sobre esse mundo caótico que quero falar nesse texto.
A violência contra a população civil na Segunda Guerra não foi apenas um efeito colateral, mas atornou-se parte integrante das operações militares, não algo sem intenção, mas em muitos casos planejado. Bombardeios aéreos sobre centros urbanos, como Varsóvia, Londres, Hamburgo, Dresden, Tóquio e Hiroshima, tinham como objetivo não apenas destruir infraestruturas, mas quebrar o moral das sociedades inimigas.
Desde os primeiros momentos da Guerra e mesmo antes, tem-se os efeitos colaterais das muitas ações militares, que causam mortes de incontáveis civis. Mas as mortes imediatas não são as únicas consequências para eles. Muitos sofrem com a perda de seus meios de vida, destruídos; somado isso à fome por escassez de alimentos, em parte por causa da destruição dos campos e também dos armazens e centros de distribuição.
Milhões desses civis optaram por fugir das suas casas e cidades, até mesmo de seus países, tendo que enfrentar a dureza da vida de refugiados. Isso provocava longas filas nas estradas, onde uns mais ricos carregavam suas coisas em carros e os mais pobres levavam seus poucos pertences (e mesmo familiares feridos) em carinhos de mão. O clima por vezes ajudava a ampliar o desastre: falando sobre a União Soviética invadida pelos nazistas, Antony Beevor cita que as “colunas formadas às pressas se alongavam na neve, em carroças com coberturas improvisadas.”

A Japão e sua guerra com a China
A guerra entre o Japão e a China, que é apontada pelo historiador Antony Beevor como parte da Segunda Guerra Mundial, teve consequências devastadoras para a população civil, marcando um dos capítulos mais violentos na Ásia.
Começada antes do “início oficial” da Segunda Guerra, desde a invasão em larga escala japonesa iniciada em 1937, os civis chineses tornaram-se alvos diretos da estratégia militar nipônica. Bombardeios indiscriminados, execuções sumárias e destruição sistemática de cidades faziam parte de uma política de terror destinada a quebrar qualquer possibilidade de resistência.
O massacre de Nanquim simboliza esse padrão de violência extrema, no qual a distinção entre combatentes e não combatentes foi completamente ignorada. Ocorrido entre dezembro de 1937 e janeiro de 1938, ele resultou em uma das maiores atrocidades contra civis do século XX. Após a captura da então capital chinesa pelo Exército Imperial Japonês, estima-se que entre 200 mil e 300 mil civis e prisioneiros de guerra chineses tenham sido mortos em poucas semanas. Além das execuções em massa, dezenas de milhares de mulheres foram estupradas, muitas delas posteriormente assassinadas, e bairros inteiros foram saqueados e incendiados.

Livro O Massacre de Nanquim
Além da violência direta, a Guerra Sino-Japonesa provocou uma crise humanitária prolongada. Milhões de chineses foram forçados a abandonar suas casas, dando origem a deslocamentos internos em escala gigantesca. Famílias inteiras fugiam de zonas ocupadas sem qualquer estrutura de acolhimento, enfrentando fome, doenças e separações definitivas. A destruição de áreas agrícolas e rotas comerciais agravou ainda mais a situação, tornando a escassez de alimentos uma realidade constante para a população civil, especialmente em regiões rurais.
Como se não fosse suficiente, os japoneses ainda fizeram uso sistemático do trabalho forçado e de práticas de violência extrema contra civis sob ocupação japonesa. Homens, mulheres e até crianças foram explorados como mão de obra, enquanto outras populações sofreram abusos sistemáticos, incluindo estupros em massa e experimentos médicos.
Como eu falei no outro texto, com base no livro de Antony Beevor, a guerra no Extremo Oriente não foi um conflito periférico, mas um exemplo claro de guerra total, cujas consequências humanas rivalizaram — e em muitos casos superaram — as da Europa, deixando marcas profundas e duradouras na sociedade chinesa. Dentre outras coisas, não menos importante, ela contribuiu para enfraquecer os nacionalistas chineses e com o tempo fortalecer os comunistas, que com o apoio da população revoltada com as condições em que estavam vivendo, fizeram a Revolução Comunista Chinesa.

Os nazistas e suas atrocidades
Nas regiões ocupadas pela Alemanha nazista, a situação foi ainda mais extrema. A ocupação implicava execuções sumárias, deportações em massa, trabalho forçado e políticas deliberadas de fome. Povos inteiros foram deslocados para abrir espaço ao projeto do Lebensraum, enquanto milhões de prisioneiros de guerra morreram por negligência intencional, fome e doenças. A violência cotidiana tornou-se um instrumento de dominação.
Muitos civis não ficavam simplesmente calados diante da invasão nazista. Alguns reagiam com o que tinham. O problema é que tinham muito pouco. Nisso, para os nazistas enfurecidos, qualquer “indício” de reação por parte dos civis de uma cidade podia ser desculpa para fuzilamentos e enforcamentos. Uma faca encondida nas roupas ou uma marca de coice de rifle, resultado de uma briga corporal com um soldado, era morte certa.
Nesse mundo em guerra, temos então o antissemitismo. Ele já vinha de muito antes da guerra, mas com Hitler no poder e os nazistas em ação, a situação dos judeus vai se tornando cada vez pior, até culminar na “solução final”. De estabelecimentos comerciais destruídos os judeus são mandados cada vez mais aos campos de trabalho forçado, ou campos de contração, que se tornam por fim em campos de extermínio.
Por fim, o medo da vergonha e a resistência obstinada a ideia de se entregar levou os nazistas a agir contra sua própria população civil. Nos últimos anos, a liderança nazista impediu deliberadamente a evacuação de civis alemães diante do avanço inimigo, transformando milhões de pessoas em refugiados apenas quando a fuga já era caótica e mortal.

Uma guerra que marcou o mundo
Em nenhum outro momento da história as populações civis foram tão atingidas como na Segunda Guerra Mundial. Estima-se que entre 60 e 70 milhões de pessoas tenham morrido durante a guerra, sendo que mais da metade eram civis, mortos por bombardeios, massacres, fome, deportações e genocídios. Repetindo, mais civis morreram na Segunda Guerra, como resultado de tudo isso, que os soldados em combate.
Só na Europa, cerca de 30 milhões de civis perderam a vida, enquanto no Extremo Oriente milhões morreram em consequência direta da ocupação japonesa, como vimos, além de deslocamentos forçados e colapso das estruturas básicas de sobrevivência. As políticas de guerra, com racionamentos e desvio de suprimentos para o “esforço de guerra”, fizeram estragos e causaram traumas que levaram muitas décadas para serem superados.

Em meio a tudo isso, quando o fim da Segunda Guerra já se mostrava claro, os Aliados ainda dariam um último golpe sobre os civis: as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagazaki. Muitos historiadores questionam a necessidade dos dois bombardeios, alguns defendem que o Japão já estava acabado e a ação foi apenas para demonstrar poderio bélico em um visível pós-guerra polarizado entre capitalistas e comunistas. Ainda assim, os Estados Unidos seguiram em frente e lançaram as duas bombas atômicas.
A cidade de Hiroshima foi escolhida por não ter sido amplamente destruída antes, permitindo medir com clareza os efeitos da arma. Foram cerca de 100 mil pessoas que morreram instantaneamente, enquanto muitas outras faleceram nos dias e semanas seguintes devido a queimaduras, choque e envenenamento por radiação. Quanto a Nagasaki, a bomba foi lançada em 9 de agosto de 1945, quando o Japão ainda não havia sinalizado rendição, resultando na morte de aproximadamente 35 mil pessoas. O choque causado pelas bombas, somado à ofensiva soviética na Manchúria, foi decisivo para a decisão do imperador de pôr fim à guerra. Seja como for, os alvos não eram apenas militares, e o sofrimento civil esteve no centro do encerramento da guerra no Pacífico.
Enfim, a Segunda Guerra produziu dezenas de milhões de refugiados e deslocados, especialmente no Leste Europeu e na Ásia, configurando a maior crise humanitária do século XX. Fica claro que a Segunda Guerra Mundial não foi apenas uma guerra de exércitos, mas uma guerra travada contra sociedades inteiras, na qual a população civil deixou de ser vítima colateral e passou a ocupar o centro da destruição.

Livro A Segunda Guerra Mundial


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