Ele foi literato e historiador, falou da África e dos negros no Brasil, combatendo por toda sua vida o grande mal que é o racismo.
Joel Rufino dos Santos nasceu no Rio de Janeiro, em 1941, e no mesmo Rio morreria em 4 de setembro de 2015. Mas não sem deixar um rico trabalho dividido entre História e Literatura. Influenciado pela vó que lia pra ele, pelo pai operário-leitor e pelos gibis que adorava folear, ele traçaria uma trajetória premiada e amplamente reconhecida entre seus pares e tantos outros seus leitores e alunos.
Na década de 1950, depois de ler Introdução à Revolução Brasileira, de Nelson Werneck Sodré, decidiu estudar História. Aliás, ainda quando fazia o curso, foi convidado pelo mesmo Sodré para ser seu assistente no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Começava aí a sua carreira de historiador.
Foi no ISEB que, durante o governo João Goulart, se ligou ao movimento da História Nova, que ele mesmo chamava de “reforma de base da história”. Parte de um movimento que tinha forte base política, esperava-se fazer uma “história crítica, que não fosse meramente factual”. Estava inserida nesse contexto a proposta de escrita de dez livros, dos quais apenas 6 foram realmente escritos. Isso porque logo em seguida veio a Ditadura Militar no Brasil e Joel Rufino, como muitos outros teve que se exilar.
Em sua “peregrinação” no exterior passou pela Bolívia e pelo Chile. Voltou em 1966 ao Brasil e foi preso pelos militares, o que ocorreu, aliás, várias vezes nos anos seguintes. Tais prisões ocorreria por seu envolvimento com a luta armada contra a Ditadura – embora não tenha ele próprio pego em armas, antes apoiando o movimento, participando da “logística da Ação Libertadora Nacional (ALN)”.
O maior período em que esteve preso nos anos 1970 renderia inclusive um livro anos depois, Quando Eu Voltei, Eu Tive uma Surpresa. Livro esse que foi premiado com o Orígenes Lessa em 2000. Trata-se de uma série de cartas que enviava ao filho Nelson, na época com 8 anos, onde descrevia o dia a dia na prisão, mas procurava mostrar otimismo em relação a sua situação e à situação do país. Não é um livro de história, propriamente, mas tem muito de história, pois nele Joel, desenhando, brincando, dialogando, tenta explicar que, precisamente pelo “pecado” de amar o Brasil e de fazer parte de sua história, estava preso ao cárcere, à saudade e à vontade de continuar lutando pelo povo brasileiro.
Com a anistia, a Joel Rufino foi permitido retornar à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Passou então a trabalhar em dois espaços, na Faculdade de Letras e na Escola de Comunicação, tendo depois se dedicado apenas à primeira. Ele escreveu muito em literatura, especialmente infantil, recebendo prêmios importantes por isso – dois Jabutis, com Uma Estranha Aventura em Talalai (1979) e O Barbeiro e o judeu da prestação contra o Sargento da Motocicleta (2008), além de ter sido duas vezes finalista do Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infanto-juvenil. Mas, embora tenha feito uma escolha, uma predileção, sempre defendia a interdisciplinaridade, não abandonando a História, pelo contrário, contribuindo para o entendimento de temas importantes.
Muitos de seus livros de ficção tem fundos, personagens e paisagens da História. O Dia Que o Povo Ganhou, por exemplo, é baseado no 2 de julho na Bahia – dia em que o povo foi às ruas festejar a independência do Brasil; Crônica de Indomáveis Delírios, quando da Revolução Pernambucana de 1817, a facção “francesa” teria acalentado o sonho de trazer Napoleão, então prisioneiro dos ingleses, para comandar seu exército; e Quatro Dias de Rebelião, baseado na Revolta da Vacina. Ou seja, ao escrever ficção ele estava impregnado de História.
De seus livros não ficcionais, especialmente de história, ele se preocupou com temas gerais, a começar pelo curto trajeto da História Nova, abarcando assuntos como o “descobrimento”, a ocupação do território (por portuguese ou não), o uso da mão de obra – especialmente a africana -, a independência, o advento da República – inclusive, claro, a abolição. Ele também se interessou por personagens da nossa história, tendo feito biografia de Zumbi dos Palmares e da improvável escritora Carolina Maria de Jesus. Nesse contexto todo, a África e a presença negra no Brasil é corrente, sendo através da escravidão, das revoltas internas, do futebol ou seja ainda do teatro.
Ele foi um combatente contra uma das grandes mazelas de nosso país, o racismo. Para ele – como Silvio Almeida e outros ajudariam a desenvolver -, no caso do racismo, trata-se de um “preconceito estruturado”; um “preconceito quando casa com as distinções de classes, com as separações de classe”. Para Joel Rufino “nunca houve democracia racional”, como queriam fazer crer Gilberto Freyre e seus seguidores, por exemplo. Como outros que já pensaram a condição do negro no Brasil, antes e depois dele, Joel Rufino resumiria em parte a sua visão dizendo que “o negro, historicamente, durante a maior parte do tempo, foi trabalhador, foi subalterno. E o branco, na maior parte do tempo foi senhor, foi patrão”. Por isso, “encarar a questão do racismo é encarar a questão do Brasil” (Entrevista para Umas Palavras, 2003, do canal Futura).
Dada a sua compreensão interdisciplinar, ele via como algo ruim o fato de muitos terem a História como uma “baia”, como um “cabresto”; não podendo o historiador transitar por outras áreas, realizar outros diálogos.
Caso queira conhecer mais sobre esse autor, existem muitas entrevistas no Youtube ou em texto em diversos sites. Há um site dedicado a ele (joelrufinodossantos.com.br). Assim como há, claro, sua extensa bibliografia, que segue logo abaixo.
Deixe um comentário