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Já aprendemos nas postagens anteriores que a região da
Colônia Agrícola Nacional de Dourados, quando iniciou a distribuição dos seus lotes, teve um crescimento
populacional incrível, superando as expectativas do governo e saindo mesmo fora
do controle de sua Administração. Vejamos como nasceu sua 2ª Zona.



No início da abertura das matas, limpeza e
ocupação dos lotes da região hoje conhecida como
Grande Dourados, as dificuldades eram imensas, mas no início houve
algum tipo de amparo por parte da administração. As propagandas eram abundantes
e salientavam as vantagens da migração nordestina e de outras regiões para o
oeste brasileiro.

Por outro lado, nem tudo eram flores para os colonos.
Se houve um melhor controle sobre a alocação dos colonos num primeiro momento,
no que veio a ser conhecido como Primeira
Zona
, na segunda metade da década de 1950 a situação já fugiu do controle,
nascendo assim a Segunda Zona, do
lado direito do rio Dourados, com uma ocupação populacional não-indígena
desorganizada e, em grande medida, sem amparo da Administração da Colônia.

Em relação à ocupação da Segunda Zona, que muitos chamam de “invasão”, a historiadora Suzana
Naglis nos diz que

[…] fiquei surpresa ao
perceber que as versões não coincidem, até mesmo quanto aos períodos, e, de
quanto seriam os colonos responsáveis por tal feito. É certo que as versões têm
em comum o fato de o colono ser o ator principal, que atuou em benefício
próprio, contrariando os projetos da Administração
[1].

O fato
também é que se a Primeira Zona
“compreendia uma área territorial menor de 68.000 hectares, com a chegada em
massa dos colonos, as terras cultiváveis a serem demarcadas se tornaram
escassas” [2]. Escassez de terras e demora na demarcação dos lotes levaram os
colonos a agirem por conta própria. A professora Benícia de Oliveira (1999) nos
diz que “[…] quando a primeira área já havia sido loteada e distribuída [os
colonos] foram se acomodando numa área próxima, na espera da terra prometida.
Tendo em vista a demora na demarcação, eles tomaram a iniciativa de ir abrindo
picadas, demarcando, abrindo roças e iniciando a plantação” [3].

Já em 13 de agosto de 1954, o Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, através do Ofício 734, diz que a Segunda Zona representava 73% de toda
área da Colônia, que neste momento
já estava constituída “em zonas particularmente distintas”, sendo interessante
o seu pedido pela emancipação da Primeira
Zona
, a fim de que pudessem voltar-se mais para os serviços que se faziam
necessários e urgentes na Segunda [4].

Os trabalhos complementares que a Primeira Zona
necessita tais como algumas estradas secundárias e construção de mais escolas,
além da manutenção dos atuais encargos de saúde, educação e estradas, poderão
ser entregues a outras entidades públicas, melhor indicadas para esse
cometimento
[5].

Clodomiro Albuquerque acreditava que esta medida seria favorável aos
colonos já estabelecidos na Primeira
Zona
, pois assim eles se tornariam proprietários efetivos dos lotes,
acreditando ainda que eles conseguiriam mais facilmente créditos junto à Carteira
de Crédito Agrícola, do Banco do Brasil.
Sua ideia era concentrar recursos na Segunda
Zona
, que tinha “seu desenvolvimento retardado, até mesmo no que diz respeito ao loteamento, ponto básico dos
nossos planos de trabalho” [6].

Em outro ofício, de abril
1955, o mesmo administrador relacionava algumas medidas urgentes a serem
tomadas com respeito às terras e aos colonos da Segunda Zona, dentre as quais estava: localizar os colonos nos
lotes cortados de acordo com as marcações; orientar o trabalho dos topógrafos;
e atualizar o cadastro desses colonos [7]. Além disso, outro problema grave,
que a Colônia já parecia ter pelo
menos desde a década de 1940, era o sanitário, chegando o Administrador Clodomiro de Albuquerque, em 1953, a
reclamar da existência de “um hospital maltratado, onde se acotovelam 80 e até
100 doentes diariamente”. Apelando por aumento de verbas, Albuquerque diz ainda que “[…] as administrações ficam paradas,
comovidas e impotentes, a dar-lhes razão sem meios de atender-lhes os apelos, sem
recursos, olhando as cifras dos seus saldos que mínguam e desaparecem muito
antes dos fins de ano” [8].

Em
relação ao povoamento da região, vale dizer que, na área da colônia, surgiriam
os municípios de Fátima do Sul, Glória de Dourados, Jateí, Deodápolis, Douradina, Vicentina, distritos, como Nova Esperança, e vilas como São Pedro e Vargas, pertencentes ao atual município de Dourados. O caso de Fátima
do Sul
é especial, pois se formou inicialmente no lado esquerdo do rio Dourados, denominada à época Vila Brasil, na Primeira Zona, sendo que “posteriormente este povoado foi crescendo
e aí sim os colonos teriam invadido a margem direita”, ultrapassando o rio e
ocupando a Segunda Zona [9].

Suzana Naglis, analisando
documentos do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), diz que não existe documentação
referindo-se à emancipação da Primeira
Zona
, ao contrário da Segunda Zona,
que tem sua emancipação oficialmente em 1959 [10]. Essa é uma questão
complicada, pois tal emancipação, ao que parece, levou tempo para se efetivar
na prática, tendo em vista que alguns depoimentos dão conta da chegada de
colonos no fim de década de 1950 e inícios da década seguinte, exemplo do
senhor Manuel Valêncio Gomes Filho “Sué”, nascido em Pernambuco, em 1937,
que teria migrado para a região de Vila Jateí exatamente em 1959, quando grande
parte da Segunda Zona nem havia tido
seus lotes demarcados [11]. Além disso, quando o Território Federal de Ponta Porã foi extinto em 1946, as terras
onde se encontrava a Colônia
voltaram ao domínio do estado, que a manteve com o nome de “Núcleo Colonial de
Dourados” (NCD) [12]. Anos depois elas são então doadas pelo mesmo ao Governo
Federal, representado pelo Instituto
Nacional de Imigração e Colonização
(INIC), subordinado ao Ministério da Agricultura.

Por fim, segundo pude
perceber dos documentos oficiais do INIC/CAND, continua aparecendo, pelo menos
até 1960, “Colônia Agrícola Nacional de Dourados”. Na mesma década de 1960 é
que a CAND começa a aparecer com a
denominação “Núcleo Colonial de Dourados”, como nos mostra, por exemplo, um
ofício sem número de Wicar Góis de
Teixeira
, Chefe do Departamento de Colonização do INIC, a Tácito Pace,
Administrador do Núcleo Colonial de Dourados (NCD), de junho de 1960 [13].



No mapa a seguir vemos uma representação livre da CAND, dividida em suas duas Zonas*.



Clique para ampliar

Na próxima postagem,
estarei fechando essa série sobre o
sul
de Mato Grosso
no século XX, hoje
Mato Grosso do Sul, que como já vimos foi mais do que um simples produtor de
erva-mate e criador de gado, que ao mesmo tempo foi profundamente transformado
com a criação da
Colônia Agrícola Nacional
de Dourados
na década de 1940.



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POSTAGENS DA SÉRIE:



1. Os migrantes no sul de MT antes da década de 1930 
2. As políticas de colonização do Estado Novo e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) 
3. As ideologias do Estado Novo e os fatos que motivaram a criação da CAND
4. O Território Federal de Ponta Porã
5. A “Segunda Zona” da CAND
6. Concluindo a série Sul de Mato Grosso no século XX


* Foto do topo: Primeira ponte sobre o rio Dourados, ligando a Primeira com a Segunda Zona, 1957. “Coleção CAND” – CDR/UFGD.

** Um mapa detalhado da CAND pode ser consultado em minha dissertação de Mestrado, “Erva-mate e frentes pioneiras: dois mundos em um só espaço (1943 a 1970)”.

*** Originalmente postado em 24/fev/2013.


Referências

[1] Naglis, Suzana G. Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto“:
os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, p. 67.
[2] Idem, p. 65.
[3] Ibidem, p. 64.
[4] OLIVEIRA, Benícia
Couto de. A política de colonização do Estado Novo em Mato Grosso
(1937-1945)
.
1999. Dissertação (Mestrado em
História) – FCL/UNESP, Assis, p. 197.
[5] Ofício 734, do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao
presidente do INIC, de 13/ago/1954.
[6] Ofício 352, do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao
diretor do DTC, 11/dez/1953.
[7] idem, grifos meus.
[8] Ofício do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao
diretor do DTC, abr/1954.
[9] NAGLIS, 2007, p. 66.
[10] Idem, p. 40.
[11] Entrevistado em
Jateí, MS, em 16 de dezembro de 2011.
[12] MAZZINI,
Adilvo; XAVIER, Cláudio. 50 anos da
criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados
.
Dourados/MS:
Funced, 1993. [Datilografado]
[13] Ofício s/n, de Wicar Góis de Teixeira, Chefe do Departamento de
Colonização do INIC, a Tácito Pace, Administrador do NCD, jun/1960.
[14] NAGLIS, 2007, p. 31.
[15] Se avançarmos até o
ano de 1970, teríamos mais um na lista, Pedro Pedrossian (1966-1970).
[16] NAGLIS, 2007, p. 33.


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