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As novas políticas do governo federal, incluindo a
CAND 
(Colônia Agrícola Nacional de Dourados), constituíram, em seu conjunto, a chamada Marcha para Oeste,
lançada por Getúlio Vargas já em
1938, no início do Estado Novo. Vejamos mais sobre isto nessa postagem.



Nesse âmbito, destacou-se o que os ideólogos da mesma consideraram um esforço
de “nacionalização” das extensas fronteiras brasileiras e, neste caso das sul-mato-grossenses,
especialmente com o Paraguai, entendendo-a como a política de ocupação dos
espaços considerados, embora erroneamente, “vazios” [1]. Sobre isso, as
preocupações dos dirigentes brasileiros ligavam-se à “grande presença, no seio
da economia ervateira, de cidadãos paraguaios e seus descendentes – de tal modo
que, nessa região [sul de Mato Grosso], era intensa a influência cultural
paraguaia, inclusive com uma larga disseminação do idioma guarani” [2].

Embora se insira num contexto de preocupações, sobretudo,
políticas do Governo Federal, o movimento de migração propagado pela Marcha para Oeste tem também uma
importante dimensão econômica, pois faz parte do fenômeno conhecido como frentes pioneiras, o qual, segundo o
sociólogo José de Souza Martins,
“exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas
regiões pela economia de mercado”, situação que se diferencia essencialmente
das chamadas frentes de expansão,
que dentre outras características possuem a de ser um movimento onde se
evidencia primordialmente a expansão territorial, não carregando
necessariamente consigo os elementos produtivos, no sentido capitalista [3].

No caso, essas frentes
pioneiras
estão diretamente relacionadas ao rápido desenvolvimento
industrial que então se verificava na região Sudeste do Brasil, com destaque para a cidade de São Paulo: ao
induzir a urbanização, essa industrialização provocou um aumento da demanda por
alimentos e, por consequência, estimulou a expansão da agricultura comercial;
esta, por sua vez, ampliou a renda disponível no meio rural, ampliando,
portanto, o mercado consumidor de produtos industrializados – fechando-se, assim,
um “círculo virtuoso”.

Desse modo, os estímulos do polo industrial do Sudeste, sob a forma da demanda por
gêneros alimentícios e matérias-primas agrícolas, se fizeram sentir sobre uma
vasta área em torno das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro – abrangendo
inclusive a parte sul do antigo Mato Grosso [4]. Assim sendo, esse “circulo
virtuoso” mostra ainda a complexidade da ação humana na fronteira, que não exclui o tempo da frente de expansão, com as formas de trabalho que nela predominavam
– pautadas pelos regimes de servidão
e escravidão por dívida, podendo por
essa época a fronteira ser
imaginada, como sugere José de Souza
Martins
, inserida na “acumulação primitiva no interior da reprodução
ampliada do capital” [5].

Além da CAND, que vimos falando, surgiram em Mato
Grosso, ao longo dos anos 1940, 1950 e início dos 1960, várias outras colônias
agrícolas, por iniciativa do Estado, de municípios ou particulares,
continuando, portanto, a vinda de migrantes paulistas e nordestinos [6], além
de outros originários de diversas partes do Brasil e do mundo, como, por
exemplo, as colônias japonesas Matsubara
e Kyoei, surgidas na década de 1950
no interior da CAND [7]. Segundo a historiadora Suzana Naglis, que já
apresentamos na postagem anterior, parafraseando a geógrafa Lisandra Lamoso [8],
a colonização particular teria superado a oficial, sendo que “[…] no período
compreendido entre 1943 e 1964 foram efetivamente implantadas em Mato Grosso,
trinta e duas colônias agrícolas, sendo treze oficiais e dezessete promovidas
por Companhias particulares” [9].

Segundo consta na Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros
, feita pelo IBGE
em 1958 falando sobre a região e sua relação com a CAND:

Com a criação […] da
Colônia Agrícola de Dourados, e a conseqüente melhoria dos meios de transporte
com a construção – ainda que precária – de estradas de rodagem, deu-se a
“corrida” de imigrantes, fenômeno que viria a alterar profundamente a
fisionomia daquele aglomerado humano
[10].

Nesse sentido, fazendo uma análise sobre a colonização
do Oeste brasileiro no século XX, a historiadora Isabel Guillen (1991), por sua
vez, vai mostrar como era feito uso de ideologias que a ligavam aos bandeirantes de outros tempos e à nova
forma de exploração do território nacional. Diz ela que, do ponto de vista
desses ideólogos do Estado Novo, a Marcha para Oeste “é entendida como uma
empreitada delineada pelos bandeirantes e que tem seus seguidores, […]
deslocando a ação para um tempo linear e progressivo” [11].

Usando o imaginário em seus estudos, Guillen vai dizer
que essa questão dos que marcham para o Oeste é mais nitidamente posta durante
o Estado Novo e o governo de Getúlio Vargas [12], ficando claro que
se pretende evocar o bandeirante
como um mito de progresso e expansão do território; como uma entidade “do bem”,
que deve ser seguida.

Também apontando o caráter mítico atribuído à migração, Suzana Naglis
fala sobre o uso da propaganda, especialmente através do rádio, que ia ao
encontro da situação de pobreza dos colonos, principalmente os que migraram do Nordeste brasileiro, calcando-se “na
expectativa de uma vida melhor”. Apresenta esta autora ainda outra
possibilidade: a propaganda “boca a boca”, por parentes e amigos que já haviam
migrado [13]. Para fiar essa afirmativa ela transcreve um trecho de Joe
Foweraker, onde este mostra que “em geral, continua sendo verdadeiro que
nenhuma iniciativa política do Estado tem sido necessária para encorajar a
maioria dos migrantes a mudar-se e estabelecer-se nas fronteiras” [14].

Assim, a mesma pesquisadora continua se perguntando sobre o que mais
teria motivado a migração, desta vez do lado dos colonos, sugerindo possíveis
respostas, que se somam ou confirmam as que já foram apresentadas
anteriormente: a falta de terras causada pela formação de latifúndios; a má
condição de vida; ausência de trabalho; a diminuição da eficácia do solo; além
dos desastres naturais, especialmente as constantes secas nordestinas [15].

Assim, quando os colonos recebiam notícia das terras, “[…] ‘terra
comum’, da ‘terra livre’ ou da ‘terra da nação’ que podem tomar para si mesmos,
avançam na esperança de conseguirem terra” [16].

Voltando a falar especificamente
sobre a implantação da CAND, Suzana Naglis, com base em alguns documentos da
Colônia, como um abaixo assinado de 1941, que contou 52 assinaturas de pessoas
das mais diversas ocupações (que incluíam médicos, militares e barbeiros, entre
outros), e uma comissão que teria visitado o presidente Getúlio Vargas quando de sua vinda à Dourados, diz que “é possível
afirmar que surgiu uma mobilização dos munícipes de Dourados e região a favor
da criação da CAND, o que é uma evidência de que Getúlio Vargas não foi o único
responsável por sua criação”, tendo em vista que “o processo de instalação da
CAND também atendeu aos interesses das elites locais, que a viam como início de
progresso para a região” [17].

Por isso, entendo que não devemos menosprezar as ações
regionalizadas, que faziam parte de um movimento maior, que já incluía do
início do século XX a famosa “Questão do
mate”
, por parte de alguns políticos do estado de Mato Grosso, que além de
buscar resolver o problema do virtual monopólio da produção ervateira da Companhia Mate Laranjeira no estado,
desejava também a divisão das imensas faixas de terras arrendadas por ela em
lotes menores. Já eram essas ações uma afronta diretamente tanto à empresa Mate Laranjeira como às velhas oligarquias
regionais a ela ligadas [18].

Um exemplo de que, mesmo antes da CAND, já havia
ideias oficiais no sentido da divisão dessas terras é o Decreto-lei 616, de 20 de janeiro de 1923, do presidente de Mato
Grosso, Pedro Celestino Correa da Costa,
onde “ficava reservado, no município de Ponta Porã, entre os rios Brilhante e
Panambi, desde a sua confluência, a área de 50.000 ha, demarcada e subdividida
em lotes coloniais” [19]. No entanto, essa, assim como outras ideias parecidas,
foi legada ao esquecimento, por vezes por motivações políticas ou envolvimentos
com a própria Companhia Mate Laranjeira.

Por esses e outros motivos, a ideia de dividir o
grande território dominado pela Companhia
não era, por si só, uma novidade do governo Vargas, mas ganhou com ele peso e
apoio, sendo inserido na campanha Marcha
para Oeste
, na forma da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados
(CAND) [20].

Embora pareça que devesse ter sido dito antes, na
próxima postagem falarei sobre o Território
Federal de Ponta Porã
.


Getúlio Vargas. Foto de autor desconhecido.


Dica de livro
História Econômica do Brasil
Caio Prado Jr.



POSTAGENS DA SÉRIE:



1. Os migrantes no sul de MT antes da década de 1930 
2. As políticas de colonização do Estado Novo e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) 
3. As ideologias do Estado Novo e os fatos que motivaram a criação da CAND
4. O Território Federal de Ponta Porã
5. A “Segunda Zona” da CAND
6. Concluindo a série Sul de Mato Grosso no século XX




* Imagem do topo: Montagem com a capa de “Marcha para Oeste“, de Cassiano Ricardo (1943).



** Originalmente postado em 9/fev/2013.


Referências

[1] cf. LENHARO, Alcir. A terra para quem
nela não trabalha: a especulação com a terra no oeste brasileiro nos anos 50. Revista
Brasileira de História
, São Paulo: ANPUH, v. 6, n. 12, p. 47-64, 1986.
[2] QUEIROZ, Paulo R. Cimó. Articulações econômicas e vias de comunicação do antigo sul de Mato
Grosso (séculos XIX e XX). In LAMOSO, Lisandra P. (org). Transportes e políticas públicas em Mato
Grosso do Sul
. Dourados/MS: Editora da UFGD, 2008, p. 58.
[3] Martins, José de Souza. Capitalismo
e tradicionalismo
: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no
Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975, p. 43-45.
[4] QUEIROZ, Paulo R. Cimó. Articulações econômicas e vias de comunicação do antigo sul de Mato
Grosso (séculos XIX e XX). In LAMOSO, Lisandra P. (org). Transportes e políticas públicas em Mato
Grosso do Sul
. Dourados/MS: Editora da UFGD, 2008, p. 57-60.
[5] MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo:
Editora Contexto, 2009, p. 78.
[6] GRESSLER,
Lori Alice; SWENSSON, Lauro Joppert. Aspectos históricos do povoamento e da colonização do
estado de Mato Grosso do Sul
. Dourados, 1988, p. 95, 97.
[7] INAGAKI, Edna Mitsue. Dourádossu: caminhos
e cotidiano dos nikkeis em Dourados (décadas de 1940, 1950 e 1960).
2002. Dissertação (Mestrado em História) – UFMS, Dourados/MS, p. 102 e 112.
[8] cf. LAMOSO, Lisandra Pereira. A ocupação da Amazônia mato-grossense – o caso de Jauru-MT. 1994.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Unesp,
Assis/SP.
[9] LAMOSO, 1994, apud
Naglis, Suzana G. Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto“:
os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, p. 32.
[10] IBGE. Enciclopédia dos municípios brasileiros.
Rio de Janeiro, 1958. v. 35 [Mato Grosso], p. 185.
[11] GUILLEN, Isabel C. M. O imaginário do sertão:
lutas e resistências ao domínio da Companhia Mate Laranjeira (Mato Grosso,
1890-1945).
1991. Dissertação (Mestrado em História) –
Unicamp, Campinas, p. 29.
[12] Id. Ibid.
[13] Naglis,
Suzana G. Batista. “Marquei aquele
lugar com o suor do meu rosto
“: os colonos da Colônia Agrícola
Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007. Dissertação (Mestrado em
História) – UFGD, Dourados, p. 51-52.
[14] 1982, apud
Naglis, Suzana G. Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto“:
os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, p. 52.
[15] Idem, p. 52.
[16] 1982, p. 42 apud
Naglis, Suzana G. Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto“:
os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – UFGD, Dourados, p. 50.
[17] Idem, p. 36.
[18] ARRUDA, Gilmar. Frutos da terra: os
trabalhadores da Matte-Larangeira. Londrina: Ed.UEL, 1997, p. 23.
[19] cf. MAZZINI,
Adilvo; XAVIER, Cláudio. 50 anos da
criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados
.
Dourados/MS:
Funced, 1993. [Datilografado].
[20] Naglis,
Suzana G. Batista. “Marquei aquele
lugar com o suor do meu rosto
“: os colonos da Colônia Agrícola
Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). 2007. Dissertação (Mestrado em
História) – UFGD, Dourados, p. 34.



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  1. Avatar de Unknown

    Muito legal seu blog professor!

  2. Avatar de José A. Fernandes

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