José Antonio Fernandes
As oposições existentes entre os dois paradigmas atuais são perceptíveis, mas difíceis de serem definidas em poucos termos e conceitos. Das muitas características esquemáticas do Modernismo as quais o Pós-Modernismo se rebela, estão as interpretações, que partem de processos universais, totalizantes, onde há a concentração na macro-estrutura, que buscam interpretar as coisas como se fossem constantes e imutáveis, e se pautando na síntese. O Pós-Modernismo vai partir de uma interpretação superficial, valorizando a descrição, a desconstrução e a antítese, onde nada é imutável, pelo contrário, o que se entende é partindo da idéia do efêmero e inconstante. Exemplo disso é o chamado “Romance Pós-Moderno”, onde os personagens podem se perguntar sobre as condições em que se encontram em cada momento, “Quem era eu?”, o que eu fui ontem? O que eu sou hoje? É como a citação feita por Harvey dos textos de Borges, “O eu hoje estupefato; o de ontem, esquecido; o de amanhã, imprevisível?” (HARVEY, p. 46). Há uma constante interrogação que valoriza “os momentos”, e não uma continuidade do ser, como quem diz “eu estou”, não diz “eu sou”. O ser não é algo eterno. Isso quer dizer, em poucas palavras, que eu nunca serei o mesmo amanhã, do jeito que fui hoje, ou que era ontem, mas estarei sempre em estado de mutação, o que impede um entendimento “universal” de mim ou dos outros.
Com o pós-modernismo vai cada vez mais se perceber a passagem de um dominante “epistemológico” para um “ontológico”. O abstrato vai aparecer nas interpretações de maneira mais dominante do que aparece no Modernismo. O que era “palpável” na epistemologia modernista iluminista, que não excluía também o abstrato, vai ser subrepujado pelo imaterial e “intocável” do pós-modernismo.
Usando a tabela de Hassan (1985), citada por David Harvey, podemos ver, dentre outras coisas, que o Modernismo se pauta na raiz e na profundidade, já o Pós-Modernismo no rizoma, na superfície. Um olha pro significado, o outro passa a olhar para o significante. E uma das coisas mais visíveis na pós-modernidade é a rejeição da narração/narrativa, com sua “grande história”, fazendo, ao contrário, o papel de antinarrador, se detendo na micro-história, se aproximando mais com isso dos espaços literários. Nisso aparece, também, o papel do idioleto [1] na pós-modernidade, dos particularismos, que faz oposição ao código mestre do Modernismo. Não há na interpretação pós-moderna o “tipo”, e sim o “mutante”, o “anti-édipo” e o “constante devir” (de acordo com Deleuze, que diz que “a vida está em constante devir” [2]). Por fim, tem-se a oposição entre a determinação e a transcendência modernistas e a indeterminação e imanência do pós-modernismo.
Vale citar também a tabela de Anthony Giddens, que conta com 8 pontos de comparação das concepções entre a “Pós-Modernidade” e o que ele chama de “Modernidade Radicalizada”. Nos três últimos pontos ele fala a respeito do “esvaziamento” que o pós-modernismo daria a vida cotidiana, como resultado da introdução dos sistemas abstratos (ontológicos). Discute a questão do engajamento político, que para os pós-modernos estaria impossibilitado pela primazia da contextualidade e dispersão. Já os “modernistas radicalizados” de Giddens vêem o engajamento político coordenado como possível sim, e necessário, num nível global bem como localmente. Por fim, a como já foi dito, e ele também cita, os pós-modernos definem “Pós-Modernidade” como o fim da epistemologia, do indivíduo e da ética, enquanto os modernistas a definem como transformações possíveis para “além” das instituições da modernidade [3].
Além da tabela, Giddens defende ainda que, dentre outros fatores que podem “descontrolar” o mundo, e fazê-lo diferente do que os pensadores iluministas haviam antecipado, estão os defeitos de projeto e as falhas do operador. Isso porque o sistema modernista é inseparável dos sistemas abstratos (especialmente da epistemologia), que por sua vez, se desordenados, mal planejados, ou mal executados, provocam o desencaixe das relações sociais através do tempo e do espaço e se estendem sobre a natureza socializada e o universo social[4]. Digo isso para fazer uma defesa, ou pelo menos indicação de defesa, de uma determinada visão modernista, que entende que o universal é múltiplo em possibilidades, e que é formado por diversas correntes e conhecimentos, que, segundo este mesmo autor, se mal formado ou mal operado, por pessoas mal preparadas para isso, podem gerar problemas no âmbito social, incluindo a natureza. Apesar dos riscos, não se pode, como fazem os pós-modernistas, invalidar a análise macro-estrutural e dos sistemas universais. Isso também não impede de haver nas formas mais “atuais” da modernidade uma espécie de descontinuidade [5].
É claro que as oposições entre Modernismo e Pós-Modernismo não se esgotam com a tabela de Hassan, ou em tão com uma outra que é proposta por Giddens em 1990, ou por uma simples listagem de conceitos antagônicos, ou quase. Mas, estes são pontos importantes para entender o que acontece nos anos 1970, com o surgimento de novas formas interpretativas do mundo, e do homem, que se oporão às idéias iluministas, hegemônicas, embora não homogêneas, que vigoravam até então. Além disso, podemos também perceber alguns entrecruzamentos de ambos paradigmas, variando sua intensidade de autor para autor.
admiradores (Modernismo)
Referências bibliográficas
Dicionário Houaiss. São Paulo: Editora Objetiva, 2007.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 1992.
HASSAN, I. The culture of Postmodernism: theory, culture and society, nº 02. apud HARVEY, David. Condição pós-moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 1992.
DELEUZE, Giles. Abcdário Deleuze. Vídeo-entrevista, 1988.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da Modernidade. (trad. Raul Fiker). São Paulo: Ed. UNESP, 1990.
Imagens
Descartes: Cultura Universal
Deleuze e Guattari – Usina Grupo de Tudos
Notas
[1] O Dicionário Houaiss (2007) define Idioleto como sendo “o sistema lingüístico de um único individuo num determinado período de sua vida, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que foi submetido, sua biografia, etc.”.[2] DELEUZE, Giles. Abcdário Deleuze. Vídeo-entrevista, 1988.[3] GIDDENS, 1990, p. 150.[4] GIDDENS, 1990, p. 151-153.[5] GIDDENS, 1990, p. 14.
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