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Mais uma obra para seguirmos nas reflexões sobre Ditadura Militar no Brasil. Trabalho coletivo, organizado por Maria Paula Araujo, Izabel Pimentel da Silva e Desirree dos Reis Santos.



APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos, os professores de história do ensino fundamental e médio têm discutido uma questão de cunho pedagógico, ético e político: como tratar, nas escolas, os temas considerados “sensíveis”? A expressão “temas sensíveis” designa assuntos de um passado problemático. E um passado pode ser problemático de diversas formas. Pode se referir a um passado marcado pelo autoritarismo (como as ditaduras militares no Brasil e na América Latina); ou por elementos discriminatórios e racistas (como o governo de apartheid da África do Sul); ou a um passado marcado por violência traumática (como atos de genocídio e guerra civil). São temas sensíveis não apenas porque é difícil falar sobre eles, mas, principalmente, porque não há ainda, na maioria dos casos, um consenso da sociedade sobre o que dizer e como falar sobre esse passado.

Em muitos casos, os processos de memória, trauma e reparação ainda estão em curso e diferentes versões ainda estão em disputa — tanto na memória como na história. A ditadura militar no Brasil é um desses temas. Esse pequeno livro pretende, nesse sentido, contribuir para o enfrentamento e o debate desse tema sensível, acreditando que ele possa servir como um instrumento de trabalho dos professores de ensino médio e fundamental. Elaboramos textos de nove capítulos que procuram levantar fatos e debates historiográficos numa linguagem que possa ser acessível aos adolescentes, jovens e adultos dos dois segmentos. A bibliografia de referência desses textos está no final do livro. Procuramos ilustrar cada um dos capítulos com fontes primárias, como imagens de jornal, charges, desenhos, capas de publicações e trechos de depoimentos dos acervos “Marcas da Memória: História Oral da Anistia no Brasil” e “Marcas da Memória: História, Imagem e Testemunho da Anistia no Brasil”.

Cada uma dessas fontes utilizadas para ilustrar os capítulos também permite uma discussão metodológica. As fontes históricas não significam um registro absoluto de verdade. Elas devem ser contextualizadas, interpretadas, analisadas criticamente. E cada uma delas requer uma abordagem diferente. O uso de jornais da grande imprensa como fonte requer que se averigue qual a inserção social e política do jornal. A imprensa é um ator político fundamental do mundo contemporâneo e por isso é importante caracterizar o jornal em foco e distinguir entre os vários tipos de publicação. Durante a ditadura militar no Brasil, os jornais da grande imprensa eram muito diferentes dos jornais da Imprensa Alternativa. Estes últimos eram ligados aos partidos e organizações de esquerda, clandestinos na época. Utilizar esses últimos é recorrer ao imaginário das esquerdas da época.

Trabalhar com desenhos, charges e caricaturas como fonte histórica tem sido um caminho explorado por alguns historiadores. Segundo Rosa Maria Barbosa, “a caricatura lembra ao historiador a importância dada por contemporâneos a eventos que poderiam parecer insignificantes, apontando a relação entre os fatos, a manifestação popular e a opinião pública”. O trabalho com charges e caricaturas permite que o historiador acesse a sensibilidade de uma época. O riso, a ironia, o grotesco de um tempo são capturados pelo desenhista que deixa ao historiador a possibilidade de um tipo de conhecimento particular da época em questão.

O uso de depoimentos exige do historiador uma atenção redobrada. Os depoimentos expressam vivências, experiências do depoente. Sua narrativa nos remete à memória de um grupo, de uma geração, a um discurso que cria identidade não apenas para o entrevistado, mas, em muitos casos, para um grupo de pessoas que vivenciou uma época e acontecimentos vitais em conjunto. Por isso não devem ser tomados como verdades empíricas; mais do que isso, a riqueza de um depoimento é mostrar aos homens e mulheres do presente como foram vividas e sentidas as experiências de um passado recente. No caso de um passado marcado pela violência política, os depoimentos se transformam em testemunhos que traduzem o trauma, mas também a superação. Esse duplo aspecto fica particularmente claro nos trechos selecionados de depoimentos sobre a prisão.

Abordar esse “tema sensível” é importante não apenas para professores e alunos de todos os segmentos de formação escolar, mas para toda sociedade brasileira. Pois apenas conhecendo, discutindo, analisando, revelando os fatos e as experiências ligados à ditadura militar, podemos efetivamente tornar esse momento da nossa história em tempo passado.

Maria Paula Nascimento Araujo





* Originalmente postado em 30/mar/2015.

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