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 Seu Moacir. Foto de Eudes F. Leite

Continuando a “história
de vida” do senhor Moacir Fagundes, hoje veremos um pouco do tempo em que ele
foi produtor de erva-mate. 



Isso aconteceu no tempo em que a região de Jateí
ainda não tinha seus lotes demarcados, sendo “livre” o trânsito de pessoas. A
erva-mate produzida por ele era vendida para os “paraguaios”[1] ou para alguns
comerciantes, como o senhor Antonio Félix de Souza, sendo que ele, Moacir,
também foi um comerciante, como veremos.



Se bem que por um
tempo, sabe-se que Moacir viveu uma vida de “colono ervateiro”, tendo por vezes
carregado raídos, secado e cancheado erva-mate (cancheamento que era feito por
meio do cabo de facão). Tendo inclusive ele e o irmão construído um barbacuá
(onde secavam a erva-mate). Além dos “paraguaios”, ele ainda teve contato com
“um senhor, chamado Antonio Félix de Souza. Ele saía lá de Dourados e vinha
aqui comprar”, tendo a “impressão que ele, de lá, vendia para a Companhia Mate
Laranjeira
”, o que parece confirmar o enorme poder que essa empresa adquiriu
sobre a memória local: todos os outros atores são ignorados e só a
Companhia é lembrada. Embora seja
difícil fazer uma afirmação, no caso, se a erva-mate vinha para Dourados, o que
poderia ser mais provável é que viesse para a
Cooperativa de Erva-mate
Dourados
, e não para a Companhia.



Além de vender, o
senhor Moacir diz que também foi comprador de erva-mate dos “paraguaios”, o que
o caracteriza também como um
comerciante:



Também… eu, eu, eu pegava com uns paraguaios…
Eu tinha um grupo de paraguaios… ali, mais ali pro Conceição [linha
Potreirito na época da CAND]. Daqui o… cerca de 10 a… a 15 quilômetros…
eu comprava deles.
 



Segundo ele,
comprava mais erva-mate dos “paraguaios” do que produzia diretamente,
repassando ao senhor Antonio Félix de Souza.
Eu comprava
deles, a erva… eu ia… meu, meu, meu saudoso papai tinha um carroção, puxado
com 4, 5 animais, muares. 4 ou 5 animais muares. Eu comprava deles, a erva, ia
lá, buscava e… e repassava pro senhor Antonio Félix de Souza”.



A movimentação e
extração livre da erva-mate na
Colônia Agrícola
Nacional de Dourados
apontada por ele e por outros entrevistados só era
possível porque a Segunda Zona da CAND, que inclui parte das Estradas do
Caraguatá, Carajá e Potreirito, até meados da década de 1950, teve problemas na
regularização de seus lotes, como nos mostrou alguns documentos da mesma, como
um ofício do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao diretor do
Departamento de Terras e Colonização (DTC),
de abril de 1954, onde dizia que a Segunda Zona tinha seu “desenvolvimento
retardado,
até mesmo no que diz respeito
ao loteamento
, ponto básico dos nossos planos de trabalho” [2]. Essa
situação permitiu ao senhor Moacir dizer que, “na época, na vizinhança num
tinha lotes. Quando nós chegamo aqui num tinha demarcação ainda. Era tudo de
várzea… aí depois que chegaram as demarcações. Com o tempo chegô e chegô,
é… o Núcleo Colonial [de Dourados], demarcando… E aí, e aí, foi então
que… tomô… novos rumos né?”, tirava-se erva de qualquer lugar onde
houvesse, pois “isso aqui era mundão! Isso aqui num tinha dono não! Num tinha
dono”.



Por fim, Moacir
Fagundes
teria parado de trabalhar com erva-mate quando começaram a surtir
efeito, pelo menos em sua região, os trabalhos de demarcação e regularização
dos lotes da Segunda Zona, “que aí… colocava cada posseiro no seu lote. Aí
então, quem tem o seu lote num qué quem quer que seja pisano lá dentro né?”.
Ainda assim, em seu lote havia erva-mate, mas “é poquinha! E num compensava tá
mexeno. Só compensô no princípio né? Que a gente mexia em mais… em maior
quantia né? A gente tanto tirava como comprava dos paraguaios. E… mas
depois… parei. Parei porque… porque num dava mais né?”. 



Não ficou muito
claro quando ele parou de trabalhar com erva-mate, mas, como vimos na postagem anterior, ele teria vindo para a região no início da década de 1950, quando
toda ela já parecia estar sendo ocupada, embora não bem demarcada, como visto. Assim,
depois, mesmo não produzindo erva-mate comercialmente, ele diz que ainda
continuou tirando para consumo, “eu e meu irmão Pedro, ainda continuamos…
tirano né? Só pra consumo. Só dentro de nossa própria propriedade. Porque a
gente tinha”.



Seu Moacir e eu. Foto de Eudes F. Leite

[1] Coloquei “paraguaios” entre aspas porque em meio aos trabalhadores de fato de origem paraguaia
havia também os indígenas, o que para os colonos parece ter sido difícil
diferenciar.

[2] Ofício do Administrador da CAND, Clodomiro de Albuquerque, ao
diretor do Departamento de Terras e Colonização (
DTC
), abr/1954, grifos meus.



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Da Caá í, Congõi Ou Kukuai Ao Chimarrão
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* Originalmente postado em 23/nov/2012.




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