Livro Modernidade Líquida, de Bauman – uma resenha

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Zygmunt Bauman, um dos sociólogos mais influentes da atualidade, nos convida a explorar em sua obra “Modernidade Líquida” as transformações intensas e dinâmicas que moldam a experiência humana na era moderna.

Este livro é amplamente reconhecido como um dos mais importantes de Bauman, construído em torno de cinco conceitos essenciais: emancipação, individualidade, espaço/tempo, trabalho e comunidade.

Bauman utiliza a metáfora da “liquidez” para descrever a modernidade atual. O líquido, ao contrário do sólido, é móvel, não é facilmente contido e está em constante mudança. As descrições de líquidos são como fotos instantâneas que precisam ser datadas, refletindo a natureza efêmera e fluida da sociedade contemporânea.

A emancipação e a Modernidade

A emancipação é um tema central nesse livro. Ele argumenta que as revoluções e ideias revolucionárias do século XVIII em diante buscaram destruir as estruturas sólidas existentes para criar novos sólidos mais previsíveis e controláveis. Hoje, no entanto, vivemos em um estado de “modernidade líquida”, onde as estruturas rígidas deram lugar a uma realidade fluida e flexível.

Mas eis a questão: Bauman questiona se a libertação é uma benção ou uma maldição. Ele faz isso refletindo sobre a liberdade subjetiva e objetiva, sugerindo que, embora tenhamos ganho uma liberdade sem precedentes, as instituições sociais agora delegam às iniciativas individuais a responsabilidade de definir identidades e princípios universais.

Esse cenário resulta em uma sociedade onde as comunidades são artefatos efêmeros (passageiros, não duráveis, sem conexão estável) e as identidades são fluidas e temporárias.

A Individualidade na Modernidade Líquida

Nesse atual “capitalismo leve”, o capital viaja com leveza e agilidade, enquanto o trabalho permanece fixo e imobilizado. Essa nova dinâmica cria um abismo crescente entre a individualidade como fatalidade e a capacidade prática de autoafirmação.

A individualização transforma a “identidade” de um dado em uma tarefa, carregando os indivíduos com a responsabilidade de realizar essa tarefa e enfrentar suas consequências.

Bauman cita Tocqueville para ilustrar como a individualização pode levar à indiferença. O indivíduo é o pior inimigo do cidadão, sugerindo que a busca pelo bem-estar pessoal muitas vezes se sobrepõe ao bem comum e à justiça social. Traduzindo, o indívidual se tornou mais egoísta, pensando menos ou simplesmente não pensando em termos de grupo, de comunidade.

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Tempo e Espaço na Era do Software

A modernidade líquida traz uma nova relação entre tempo e espaço. A instantaneidade do tempo desvaloriza o espaço e promove uma era de desengajamento e volatilidade. O que chamamos atualmente de “engajamento”, nada mais é que a cultura do like e dos comentários, que não tem duração. Assim como as amizades no ambiente virtual não são duradouras, pelo contrários, condicionadas pela possibilidade de “desamigar” (esse termo é meu, não do Bauman).

Na modernidade sólida, capital e trabalho estavam confinados em uma “gaiola de ferro”. Na era líquida, o capital é móvel e inconstante, enquanto o trabalho permanece estável, mas em um terreno de areias movediças. Sou livre para trabalhar de onde eu quiser, à distância, como um nômade digital, por exemplo; mas o trabalho segue existindo, só que liberto de barreiras como leis trabalhistas e quase sem controles nacionais e governamentais.

O trabalho na modernidade líquida é caracterizado pela incerteza e pela precariedade. Contratos curtos, falta de segurança e instabilidade são normais. A busca pela satisfação instantânea substitui o adiamento da gratificação (como a previdência), e o trabalho é visto como uma série de tarefas temporárias e substituíveis.

Comunidade e Exclusão

Bauman vê a comunidade como um projeto em crise. O desejo de comunidade é defensivo, um ato de autoproteção que inclui os “nossos” e exclui os “outros”. As comunidades se tornaram artefatos efêmeros, mais projetadas do que reais, refletindo a transitoriedade das relações na era moderna.

Atualmente, ser parte de uma “comunidade” não quer dizer ter um laço duradouro, mas sim ter a possibilidade de alcançar direitos individuais. Alcançados esses direitos (que presumo que tenha), eu posso me desligar dela. Ou simplesmente me desligo por ter perdido o interesse em determinado assunto ou pauta de ação.

Crítica e Modernidade

Bauman mostra em Modernidade Líquida que a teoria crítica, que antes se concentrava na falta de liberdade e no controle exercido por Estados totalitários, agora enfrenta a falta de estruturas duradouras e de laços sociais. A colonização da esfera pública pela privada se tornou o principal obstáculo à emancipação, transformando a autonomia “de jure” em autonomia “de facto”.

O que tem tudo a ver com o Neoliberalismo que se impõe desde há umas quatro décadas, tanto na economia, como na sociedade e na política. O que quebra barreiras nacionais, enfraquece o poder de ação do Estado e seus governos, além de pesar sobre o trabalho e a qualidade de vida da população em geral.

Enfim, nesse livro Zygmunt Bauman nos convida a repensar os conceitos tradicionais que moldam nossas narrativas sobre a condição humana (a exemplo de classe, castas, comunidades, exploração). Em um mundo cada vez mais fluido e incerto, a obra de Bauman oferece uma visão crítica e profunda sobre as mudanças que desafiam nossas noções de liberdade, individualidade, tempo, trabalho e comunidade.

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