Capa do Almanaque Jeca Tatuzinho, Fontoura
Hoje em dia vemos a imagem de um Jeca Tatu como coisa divertida e facilmente engraçada: aquele caipira idealizado, que anda de roupas rasgadas, acompanhado de um vira-latas e que tem sempre um cigarro de palhas no canto da boca. A imagem ganha grande reforço com Mazzaropi que imortalizou o personagem. Mas nem sempre foi assim.
O quadro pintado por Monteiro Lobato, a partir de 1914, quando cria o personagem Jeca Tatu, que a princípio fez parte da obra Urupês*, não era nada risível. Na visão desse cultuado autor brasileiro, o Jeca é o homem do campo, ignorante, que carregava sobre si o peso da miséria, das doenças e o lado precário da situação humana.
É o que nos mostra, por exemplo, uma matéria da Revista História Catarina (ed. 52, 2013). Na coluna HC Curiosidades, falam do caipira que rendeu a maior campanha de publicidade da história brasileira, como resultado do Almanaque Jeca Tatuzinho, encomendado pela indústria de medicamentos Fontoura e lançado em 1924, que já distribuiu mais de 100 milhões de cópias.
Na lógica construída por Monteiro Lobato, “o Jeca só quer beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali fica horas, com o cachorrinho rente”**. É que na visão do fazendeiro Lobato, o tempo já reclamava dinamismo, o que o Jeca não tinha.
Ilustração interna do Almanaque
Aliás, quase sempre vemos de uma forma hostil a lógica dos que não querem se adequar ao “sistema” dominante e por outro lado, valorizamos alguns grupos em detrimento de outros. Os imigrantes na época de Lobato, começo do século XX (e mesmo desde de o século XIX), eram vistos como elementos a dar dinamismo à nossa economia. Ainda mais se fossem de origem europeia. Portadores que eram de um espírito ordeiro e inventivo. Quer ver? Diz Monteiro Lobato: “Perto [de onde morava o Jeca] morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por que Jeca não fazia o mesmo?”.
Por fim, textos não faltam (basta uma busca rápida na internet) para mostrar a maneira como as elites nacionais viam os menos favorecidos ou os que optassem por uma vida sem pressa. E o nosso reverenciado autor não fugia a regra: fazendeiro de Taubaté, interior de São Paulo, ele parece se abrandar com o tempo, mas começa com um ódio declarado à esse que ele chamou de “parasita da terra”, o caboclo, que não entra na trilha do progresso que “vem chegando”. Daí, com o tempo passa a adotar uma imagem mais piedosa, como quem desejava depois curar os males do pobre coitado, que não tem coragem para o trabalho por causa dos males que sofre. O remédio: Biotônico Fontoura, indicado como fortificante, e o Ankilostomina, indicado para o amarelão.
No fim, nosso autor vê com pena o “pobre caboclo, que morava no mato, numa casinha de palha. Vivia numa completa pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia, e de vários filhinhos pálidos e tristes” **.
Assista o filme Jeca Tatu, de Mazzaropi, 1960 (completo)
** Texto do Almanaque Jéca Tatuzinho Fontoura.
*** Publicado originalmente em 3/jul/2013.
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