Essa é uma questão complicada e muitas vezes delicada, mas precisa ser pensada. Como em tudo na vida, ela traz mais questões do que respostas, mas precisamos ter algumas certezas, ainda que transitórias.
O que podemos pensar é que não partimos do nada, não pegamos a informação sem nenhum amparo em experiências sociais anteriores, estando ligados diretamente ao grupo (ou grupos) ao qual fazemos parte. Não olhamos para algo que nos é “estranho” e criamos uma definição pejorativa como quem tem uma epifania, por isso mesmo sendo um “pré-conceito”, buscando nos “desenhos” já prontos, nas nossas “experiências”, elaborar a nossa visão sobre o que nos é apresentado.
Muita gente – como fez em tempos não muito atrás o então relator questão da redução da maioridade penal, o deputado Laerte Bessa (PR-DF) -, preferia defender que crianças com tendências criminosas “não fossem autorizadas a nascer”. O que, traduzindo, queria (e pra muitos ainda quer) dizer que bandido nasce “bandido” e mocinho nasce “mocinho”. Pensamento que também não é nenhuma novidade, sendo antes resquício de tempos em que se buscava definir as “raças” e suas características peculiares – tema muito bem analisado, aliás, no livro O Espetáculo das Raças, de Lilia Moritz Schwarcz.
Além disso, penso que os exemplos que vimos dando mostram que, quando se age com preconceito, em parte se age como a criança – ou outra faixa etária qualquer que não “evoluiu” mentalmente – que quer atenção e por isso age de acordo com o grupo social. Mesmo que no fundo sinta que não pensa exatamente como ele, mas fica bloqueada, por vezes, pelo medo da rejeição, assim como rejeitam o que é diferente. Traduzindo, diríamos que o deputado Bessa, citado acima, é um “produto” do seu meio e dos anseios do mesmo, assim como é um produtor e reprodutor de injustiças e inverdades.
Mas, a outra parte da coisa nos leva a pensar na maneira como nos apropriamos disso e que, se admitimos algo parecido com “livre arbítrio”, devemos imputar culpa aos que promovem práticas racistas – pautadas em preceitos religiosos ou não. Isso porque, muitos recriam os preconceitos recebidos e repassam em novas formas e com novos elementos, o que acaba perpetuando ideias crueis herdadas de uma forma “inovadora”.
Foi assim quando fiz uma pesquisa com alguns adolescentes em Dourados, Mato Grosso do Sul, e muitos deles diziam que os índios do Brasil são todos “vagabundos”, “bêbados” e “malandros”. Muitos diziam isso mesmo sem nunca terem visto algum índio ou mesmo, se os viram, sem fazerem uma avaliação das informações preconcebidas que herdaram; inclusive de seus professores, tendo uma atitude irrefletida que poderá virar algum tipo de militância “fascista” – e tem virado mesmo, como pode ser facilmente notado por onde quer que olhemos.
Claro que, muitos terão seus pontos de vista e discordarão de pontos que foram apontados nesse texto, mas isso faz parte quando se trata de refletir sobre si mesmo e sobre os outros. O que não pode acontecer é tomarmos o preconceito enquanto “verdade”, o senso comum enquanto fonte de “conhecimento” e a “realidade” que nos interessa como se fosse universal. Precisamos entender o mundo como as diferenças que se complementam e que não devem se repelir, se excluir e se combater.
E se, enfim, voltando a Rousseau, a parte das pessoas que ainda têm algo de bom e quer ver uma humanidade mais justa e compreensível, mais “igual”, precisa pensar mais, ler mais, refletir mais, criticar mais, e viver de forma menos conservadora, mais progressista e inclusiva. E, claro, torcer para a parte que já tem o “mau” como constância resolva olhar para o mundo com olhos diferentes – o que acho bem difícil -, ou ao menos seguir o “contrato social” que tanto pedem como civilizados que em tese são.
Sugestões de leitura (link para comprar no título):
– Jean-Jacques Rousseau – Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens.
– Jean-Jacques Rousseau – Do Contrato Social.
* Imagem do topo montada a partir de foto de um barco de pesca com 85 imigrantes que desembarcaram no porto de Los Cristianos, nas Ilha Canária de Tenerife, Espanha, em 2006. (Foto original de Arturo Rodriguez, AP).
** Postado originalmente em 6/set./2015.
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