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Dias
atrás conhecemos um pouco a colona Joaquina, agora gostaria de apresentar para
você o colono Urbano Braulino da Silva. A dificuldade para conseguir entrevistá-lo
foi grande, o que acabou por deixar a coisa ainda mais interessante.
 



Em
conversas com meu orientador, Paulo Cimó, desde 2007, quando ainda fazia
Iniciação Científica na Graduação, já programava uma conversa com o velho
colono de origem nordestina que havia trabalhado com erva-mate, o que não é tão
fácil de encontrar, tendo em vista que a maioria dos trabalhadores diretos da
erva-mate no sul do antigo Mato Grosso era de paraguaios e indígenas, ficando
aos colonos da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados), por vezes, o papel
de donos dos lotes que “vendem para outros tirarem” ou mesmo, em casos ainda
mais raros, pequenos empreiteiros do mate. O fato é que por um motivo ou outro,
apenas em 2011, quando já escrevia minha dissertação, consegui entrevistá-lo.

Pois
bem, o Seu Urbano é um desses poucos que eu encaixo na lista de colonos que
produziram diretamente erva-mate, a quem chamo de “colonos ervateiros”. Hoje residente
em Nova Esperança, distrito de Jateí, Mato Grosso do Sul, onde foi entrevistado
em dezembro de 2011, ele nasceu em 1930, no estado da Bahia, e como a maioria
dos colonos migrou para o Oeste brasileiro “com a notícia de que aqui tava dano
terra po povo… aqui no município de Dourados”. Utilizando os serviços de trem
da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), fez o trecho de Guararapes, perto
de Andradina, no interior de São Paulo, até Itaum, já em Mato Grosso, seguindo
de ônibus para Dourados, vindo depois “a pé” para a nascente Vila Brasil, atual
Fátima do Sul.

Algum
tempo depois abriu lotes no Caraguatá, na chamada Segunda Zona da Colônia, com
o sogro e um cunhado, para onde se mudou em 1956. Nesses lotes havia erva-mate,
mas não conhecia, aprendendo já no interior da CAND, após ter contato com Epitácio[1], para
quem começou a produzir e vender, entre 1957 ou 1958, depois de uma pequena
incursão frustrada pela produção de arroz.

Aí depois que
começou o serviço da erva. O caboclo, um caboclo chegô lá… lá o Epitácio,
chegô ali, começô tirano erva, como já tinha muita erva… tinha… ensinei pra
ele onde é que tinha erva aí. Tirô dos lote tudo, tudo. Só… num tinha ninguém
mémo aí. Só tava eu, meu sogro e a famía aí. O resto que tava tudo em volta…
tudo era mato… Comecei tirá erva. O negócio melhorô pra mim viu!? Aí comecei
a tirá… ganhá dinhero com ele… e vai, vai… Quando ele foi embora, eu
comecei to… Eu toquei uma roça, eu comecei tirá erva… Foi meus pão! Eu
apanhava erva.

A marcha para o oeste
Orlando & Cláudio Villas Bôas
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Urbano
parece ter sido um dos colonos que conseguiram algum retorno com erva-mate – mesmo
somando-a a outros tipos de cultura agrícola. Ele, como alguns outros colonos,
também construiu um barbacuá com a ajuda de um amigo. “Eu roçava o mato pa podê
prantá lavora, mas a erva eu aproveitava. Eu cortava e… pra podê vendê né? E
ali foi o… o que foi meu pão foi aquilo ali rapaiz! Eu num tinha algum
dinhero… eu num tinha… Eu fazia, ia lá, fazia a ferinha… Vendia a erva,
fazia a fera e trazia. Pra podê trabaiá, passá a semana. Eu fiz isso muitas
veiz”. 



A erva-mate que cortava nos fins de semana, apesar das demais plantações
que tinha, teria lhe ajudado no sustento por um bom tempo, “acho que uns…
três anos nessa vida tirano erva viu?!”, dando “pra fazê a fera pra passá a
semana”. E se o preço recebido pela erva-mate não fosse tão alto, “você vendia
as coisas barata, mas também comprava barata”.

Trabaiava de
segunda, terça, quarta, quinta, sexta… na, na roça. Quando era no sábado eu
ia cortá erva. Sapecá, põe no barbacuá e quando, só… tocá fogo, né? E levá…
levá de […] aí. Levava quarenta quilos… Até cinquenta quilo já levei, nas
costas, daqui no Jateí! Dentro da picada. E aí foi minha vida rapaiz! Desse
jeito. A erva me valeu muito!

Além
dele, o sogro, Antonio Fileu, e o cunhado, somados a outros nomes citados por
ele, como Zé Baiano, Mané Mineiro, Zé Xavier, Mané Xavier, Avelino Braúna e
Nerinho, também trabalharam com erva-mate, extraindo e vendendo – “eu sei que
tinha uns oito aqui que mexia com erva né?”. “Era assim. Que essa erva aturô
muito tempo aqui rapaiz. A turma se virô muito com erva”.

Como
visto ainda com outros colonos, com Urbano não foi diferente, quando os lotes
começaram a ser desmatados começou a ser abandonada a produção de erva-mate, o
que parece ter sido um desalento para ele: “A… depois… foi aquela situação,
depois que… que começô a abri todos os terrenos aqui, e eu… falei ‘meu pai
do céu, como que eu vô fazê?’ E agora o andar…?”. Em sentido mais amplo, era o
que temia também o Instituto Nacional do Mate (INM), principal órgão de
controle da economia ervateira brasileira entre 1938-1967, “depois acabô a
tiração de erva. A erva começô queimá com a roça… cabô todinha. O pessoal
começô roçá e ponhá fogo…”. Isso parece ter ocorrido entre o final dos anos
1950 e inícios dos anos 1960, sendo possível que os lotes já estivessem
demarcados há mais tempo, mas ainda não estivessem “abertos”, isto é, ainda não
era interessante dedicar-se apenas à agricultura, ainda mais tendo a erva-mate como
fonte de renda.

A
trajetória de vida do Seu Urbano de maneira mais ampla não é muito conhecida
por mim, tendo apenas o que me contou, em especial sobre suas incursões pela produção
de erva-mate e agricultura, isso porque já foi difícil conseguir uma conversa
com o “colono ervateiro”. Quando cheguei à Jateí, em dezembro de 2011, tinha em
mente apenas dois nomes, o do próprio Urbano e de um seu amigo por nome Manuel Valêncio
Gomes Filho
, vulgo Seu Sué. Aconteceu
que eu já havia tentado contato por telefone com o Seu Urbano, mas, na única
vez que encontrei o ativo senhor de 82 anos em casa, ele se mostrou
desconfiado, negando que tivesse trabalhado com erva-mate ou qualquer coisa
parecida, afirmando após insistência minha que havia trabalhado com erva-mate, “mas
faiz muito tempo, nem lembro mais rapaiz”. Isso me deixou em desalento, era meu
principal alvo de entrevista. 



Mas, após muitos “ensaios” decidi arriscar, indo
Eudes Fernando, Alan Jara e eu, rumo à pacata Jateí (em outra postagem contarei
um pouco mais sobre a minha visita à pequena cidade). Em resumo, após falar com
algumas pessoas, especialmente o pastor Adauto, um colega nosso de profissão e seu
amigo, consegui um aval do desconfiado Urbano



Quando chegamos em sua chácara, localizada
no distrito de Nova Esperança, a poucos quilômetros de Jateí, mal sabia eu o
que esperar, por esse motivo nem fotos ou vídeos da entrevista fizemos. Mas,
como as coisas nem sempre são como parecem nos primeiros “choques de contato”,
ele acabou por se abrir e me dar uma das entrevistas mais produtivas e
interessantes que já fiz. Com ele, em poucas horas, aprendi muita coisa que
precisava aprender e descobri muitas das experiências de velhos “colonos
ervateiros”, pessoas que adotaram a erva-mate como fonte de renda, mesmo
juntando-a a outras atividades. 



Saí de sua casa contente, aliás, muito
contente, com a sensação de que havia conseguido atingir meu grande objetivo.
Mal sabia eu que muitas entrevistas ainda faríamos naquele 16 de dezembro de
2011, como a do primeiro prefeito de Jateí, Moacir Fagundes, o filho de Antonio
Fagundes
(mas isso é assunto para outra postagem).


Povoado de Vila Brasil, hoje Fátima do Sul, MS,
um dos primeiros lugares onde morou o Seu Urbano. 
Foto da Coleção “CAND” do CDR/UFGD.



[1] Morador de Caarapó que andava pela região com seus trabalhadores
extraindo o produto, que, segundo o senhor Urbano teria sido anos depois
prefeito dessa cidade. Essa informação parece se confirmar através de um artigo
recentemente publicado na internet por André Nezzi, que tratando de outro ex-prefeito
de Caarapó, Artur Prado Marques, cita que “no ano de 1966, com a renúncia do
então prefeito Epitácio Lemes dos Santos,
Artur foi nomeado prefeito de Caarapó, ficando um ano à frente do Executivo,
encerrando o seu mandato no final do ano de 1967” (
NEZZI,
2010 – disponível em < http://www.caaraponews.com.br/noticia/caarapo/6,13864,ex-prefeito-de-caarapo-e-hoje-autoridade-esquecida
>, visitado em 13/maio/2012).



* Foto do topo: Monumento de Jateí. Foto de Eudes Fernando Leite.


** Originalmente postado em 14/nov/2012.


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