Mulheres de destaque na Idade Média em um mundo de homens

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Em meio a um mundo de homens, existiram diversas mulheres de destaque na Idade Média. Sobre elas que falo nesse texto.

A Idade Média costuma ser lembrada como um período de forte dominação masculina — e, de fato, o controle social, jurídico e religioso estava nas mãos dos homens. Não é à toa que Georges Duby a chamou de Idade dos Homens. Mas isso não significa que não existiram mulheres medievais que tenham rompido os limites, desafiando expectativas e, mesmo enfrentando resistência, deixaram marcas importantes na cultura, na política, na religião e no pensamento europeu.

Eles não foram muitas, mas existiram. Sobre elas que falaremos usando como referência os autores Toby Green, no livro Inquisição, e Jean Verdon, no livro Sombras y luces de la Edad Media.

Christine de Pisan: uma voz feminina na literatura

Entre os nomes femininos preservados com força na documentação medieval está Christine de Pisan, escritora franco-italiana do século XIV que se destacou em uma disputa intelectual majoritariamente masculina: a famosa Querela do Livro da Rosa.

Jean Verdon, ao comentar a controvérsia envolvendo a segunda parte do Roman de la Rose, lembra que a obra foi criticada por tratar as mulheres com desconfiança e desprezo. Christine de Pisan reagiu publicamente, trocando cartas com clérigos influentes e levando o debate à corte. Em 1º de fevereiro de 1402, ela chegou a pedir à rainha Isabel da Baviera que mediasse o conflito — um gesto ousado para a época, demonstrando sua legitimidade como intelectual e sua capacidade de mobilização.

Nesse episódio, Christine não apenas defendeu a honra feminina, mas reivindicou o direito de as mulheres participarem do debate literário e moral, demarcando um espaço intelectual que até então lhes era negado. Além disso, ela questionava as muitas limitações impostas pelos homens (laicos ou religiosos) às mulheres.

As beatas e as mulheres religiosas

Nos séculos finais da Idade Média e início da Modernidade, várias mulheres encontraram nas práticas de devoção intensa — como o movimento das beatas — uma via para exercer influência espiritual e social.

Os documentos da Inquisição mostram bem essa tensão: enquanto muitas mulheres eram reprimidas, algumas alcançavam notoriedade ao liderar grupos, produzir visões místicas ou influenciar comunidades. Toby Green lembra que esses eram “os únicos casos em que os papéis de gênero se invertiam”, o que explica a tentativa da Inquisição de contê-las com vigor crescente.

Alguns exemplos dramáticos aparecem nos registros. Francisca Mejía, cuja suposta possessão demoníaca mobilizou comunidades e clérigos e cujos episódios incluíam manifestações intensas de religiosidade e influência espiritual. Juana de los Reyes, outra mulher cuja fama mística se espalhou e que passou a ser vista como intermediária entre o mundo espiritual e a sociedade, mesmo diante da repressão inquisitorial.

Essas mulheres se tornaram figuras de peso justamente porque ocupavam um espaço religioso que escapava parcialmente ao controle masculino. Eles incomodaram e muito os clérigos por suas visões e supostas mensagens divinas não ficarem no limite controlado pelos dógmas da igreja.

Um caso muito famoso é o de Joana D’Arc, a “donzela de Orleans”, que foi peça fundamental na história francesa. Ainda assim, ela acabou sendo condenada à fogueira pela igreja Católica por causa de suas visões, tidas como manifestações demoníacas. Ela se negou até o final a se retratar e ceder à pressão dos clérigos que a acusavam e terminaram por condená-la.

Senhoras, intelectuais, artesãs e trabalhadoras

A educação não era “coisa de mulher”, pelo menos na maior parte do tempo. Ainda assim, algumas mulheres e em algumas regiões recebiam educação, já que poderiam ter que assumir suas casas e a administração de suas propriedades. Ainda mais que seus maridos passavam longos períodos fora, geralmente em guerras e viagens.

Algumas dessas nobres se tornaram figuras femininas de destaque na Europa medieval, tais como Eleanor da Aquitânia, Hildegarda de Bingen, e mais tarde a já citada Christine de Pisan.

Embora raramente citadas nominalmente, trabalhadores medievais incluíam muitas mulheres desempenhando funções essenciais, como de fiandeiras e artesãs. Em diversos casos elas eram fundamentais nos ambientes de produção e inclusive podiam herdar a oficina em caso de viuvês.

No que diz respeito aos aspectos religiosos, tanto a obra de Verdon quanto a de Toby Green revelam como, em contextos de perseguição religiosa, mulheres judias assumiam papéis centrais em suas comunidades. Um exemplo forte é o de Guiomar, que mesmo vivendo em um ambiente hostil guardava e transmitia rituais judaicos, ensinando-os secretamente a outras mulheres da família — um ato de resistência religiosa e cultural em um período de vigilância intensa.

Enfim, o mundo da Idade Média era masculino, sendo as funções políticas e religiosas ocupadas em geral por homens. Ainda assim, mesmo vivendo em um mundo que restringia seus movimentos, temos como foi mostrado algumas lacunas e figuras femininas que conseguiram se destacar. Seus gestos — públicos ou silenciosos — moldaram tradições, desafiaram moralidades, influenciaram políticas e deixaram marcas que a historiografia moderna começa, enfim, a reconhecer em profundidade.

Livro Idade média, idade dos homens

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